Flávio Bolsonaro não era alvo da Furna da Onça, mas operação foi adiada mesmo assim. Por Cíntia Alves

Atualizado em 18 de maio de 2020 às 11:07
O senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente da República – Mauro Pimentel/AFP

PUBLICADO NO GGN

POR CÍNTIA ALVES

Enquanto Sergio Moro vazava, sem nenhum pudor, delação premiada de Antonio Palocci contra o PT em plena disputa presidencial de 2018, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal no Rio de Janeiro adotaram um procedimento distinto. Apesar de terem em mãos um relatório do Coaf que mais tarde cairia como uma bomba sobre a cabeça dos Bolsonaro, eles decidiram adiar a deflagração de uma fase da Lava Jato para não interferir na cena política.

A operação adiada, no caso, foi a Furna da Onça, que sequer investigava Flávio Bolsonaro. A Furna da Onça é um desdobramento da operação Cadeia Velha, outra fase da Lava Jato do Rio. O relatório do Coaf que citava Fabrício Queiroz e outros assessores de Flávio por conta de movimentações financeiras suspeitas só foi anexado aos autos da Furna da Onça para corroborar delações premiadas contra assessores e deputados envolvidos no esquema de pagamento de propina do governo Sergio Cabral.

Em 30 de abril, o procurador Carlos Alberto Gomes de Aguiar, coordenador da Lava Jato no Rio, disse ao GGN, por e-mail, que o relatório havia sido produzido por iniciativa própria do Coaf, e entregue, em 3 de janeiro de 2018, ao MPF, ao Ministério Público estadual, à Receita Federal e à Polícia Federal.

Naquele momento, como o MPF não identificou nenhum elo entre Flávio Bolsonaro e o esquema Cabral, o filho do presidente não foi investigado na Furna da Onça. “Cabe registrar que sem algum indício de conexão entre esses fatos (esquema de rachadinha e esquema Cabral), ou sem que haja desvio de verba pública federal, MPF não poderia atuar [contra Flávio] por falta de atribuição legal”, explicou Aguiar.

Restou,então, ao MP estadual aproveitar o relatório do Coaf para instaurar um procedimento de investigação sobre as rachadinhas no gabinete de Flávio.

O GGN mostrou aqui como a investigação do caso Queiroz evoluiu a ponto de, antes da eleição de 2018, o MP estadual possuir mais de um relatório do Coaf, além daquele primeiro que foi produzido espontaneamente e compartilhado com MPF e Polícia Federal.

Os promotores do Rio já sabiam, antes de Bolsonaro virar presidente, que Queiroz havia movimentado muito mais que 1,2 milhão de reais de forma suspeita. E sabiam também do elo entre o gabinete de Flávio e o miliciano Adriano Nóbrega, suspeito de participar da execução de Marielle Franco.

No último domingo (17), a Folha de S. Paulo entrevistou Paulo Marinho. O empresário ligado aos Bolsonaro revelou que, no meio da eleição presidencial, um delegado da PF, “simpatizante” de Jair Bolsonaro, procurou Flávio para informar sobre a deflagração da Furna da Onça.

O delegado – cuja identidade será investigada – disse que a PF seguraria a fase ostensiva da Furna da Onça para não interferir na eleição. O vazamento de informação sigilosa foi o que levou Flávio a exonerar Queiroz e outros assessores do seu gabinete.

Relator da Furna da Onça no TRF2, o desembargador Abel Gomes admitiu em nota, após a “delação” de Marinho, que as autoridades decidiram não deflagrar a Furna da Onça na eleição para não passar a falsa percepção de que a investigação tinha motivações políticas.

No final de abril, o GGN procurou o MP do Rio para se pronunciar sobre o fato de ter segurado informações sobre Queiroz até passar a eleição presidencial. Por meio da assessoria, os promotores alegaram sigiloso processual para não comentar o assunto.