Franceses se revoltam após governo Macron impor reforma da aposentadoria sem aval dos deputados

Atualizado em 16 de março de 2023 às 17:58
Manifestantes protestam na Praça da Concorde após aprovação da reforma da aposentadoria sem aval do parlamento. Foto: Alain Jocard/AFP

Os sindicatos de trabalhadores franceses devem se reunir ainda na noite desta quinta-feira (16) para decidir sobre os próximos passos do movimento grevista após a adoção, esta tarde, do texto de reforma da Previdência sem o aval dos deputados. O governo usou o controverso um dispositivo conhecido como 49.3, número do artigo da Constituição que permite aprovar uma medida sem o voto dos parlamentares. O anúncio da decisão provocou protestos imediatos nas ruas do país.

Logo após o discurso da primeira-ministra francesa, Élisabeth Borne, que defendeu a reforma da Previdência e anunciou que pretendia adotar a lei sem o voto final do Parlamento, milhares de pessoas saíram as ruas em várias cidades. O protesto mais impressionante foi registrado na praça da Concórdia, em frente à Assembleia Nacional e aos pés da avenida Champs-Élysées, que foi rapidamente tomada. Objetos foram incendiados nesse local emblemático da história do país, que no passado foi palco das execuções por guilhotina.

A ponte que separa a praça da Concórdia da Assembleia foi ocupada por policiais. Tensões foram registradas no início da noite.

“Fiquei surpreso com o uso do artigo 49.3 num momento assim já tenso”, disse um manifestante à FranceInfo. “Quando vi o que estava acontecendo na Assembleia, percebi que deveria vir para cá”, justificou.

Houve manifestações também em Marselha, Dijon, Nantes, Caen, Rennes, Rouen, Saint-Etienne, Grenoble, Bourges, Toulouse e Nice.

O presidente Emmanuel Macron justificou o uso do artigo 49.3 durante uma reunião do Conselho de Ministros, antes da abertura da sessão na Assembleia. “Não podemos brincar com o futuro do país”, afirmou.

Os opositores desta reforma a consideram “injusta”, especialmente para mulheres e aqueles que têm empregos difíceis. A medida mais polêmica do texto prevê o aumento da idade da aposentadoria de 62 para 64 anos.

Para o governo francês, aumentar a idade legal da aposentadoria é uma resposta à deterioração financeira dos fundos de pensão no país e ao envelhecimento da população. A França é um dos países europeus onde a idade legal para a aposentadoria é mais baixa, ainda que os regimes de pensões possam apresentar diferenças.

Várias pesquisas de opinião mostram que os franceses são, em sua maioria, hostis ao projeto, mesmo que o número de manifestantes nas ruas e de grevistas tenha estagnado ou diminuído, ao longo do tempo.

Desde 19 de janeiro, centenas de milhares de franceses já se manifestaram oito vezes para expressar a sua recusa ao projeto de reforma das aposentadorias, em um cenário de greves prolongadas. É o caso dos garis parisienses. As calçadas da capital francesa, uma das cidades mais turísticas do mundo, estão cobertas por montanhas de sacos de lixo.

Mais de 1,5 milhão de pessoas protestaram nas ruas do país na quarta-feira (15), de acordo com os sindicatos, 480.000 de acordo com o Ministério do Interior, números significativamente menores do que em outros atos.

Os sindicatos avisaram que os protestos vão continuar. “É claro que haverá novas mobilizações, porque o desafio é extremamente forte, já temos muitas reações das equipes sindicais. Vamos decidir juntos em uma plenária intersindical”, que será realizada na noite desta quinta-feira na sede da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), reagiu o líder da Confederação Francesa Democrática do Trabalho (CFDT), Laurent Berger. Ele denuncia um “vício democrático”, após a decisão do governo de ativar essa estratégia constitucional para que a reforma fosse adotada.

O presidente da França, Emmanuel Macron
Foto: Reprodução/Sarah Meyssonnier/Reuters

“Enfraquecimento da democracia”

O líder da esquerda radical Jean-Luc Mélenchon, do partido A França Insubmissa, fala em “fracasso espetacular” do apoio presidencial. O político acredita que agora o movimento social tem “uma boa chance de dar a última palavra”.

Mélenchon disse durante a manifestação na praça da Concórdia que “estamos diante de um texto não adotado na forma de uma democracia parlamentar”.

O secretário-geral da CGT, Philippe Martinez, disse que “a mobilização e as greves devem ser ampliadas”. De acordo com o sindicalista, “a mobilização dos cidadãos não permitiu ao Presidente da República ter maioria para aprovar a sua lei”.

No campo da direita, o vice-presidente da Câmara Municipal de Aulnay-sous-Bois, na região parisiense, e membro do partido Os Republicanos, Paulo Marques, lamenta que a Assembleia Nacional não tenha votado uma reforma que diz respeito a todos os franceses. “Essa não é a primeira vez que Emmanuel Macron usa esta ferramenta. Aliás, ele usa e abusa do 49.3 para passar as leis. Vamos ver o que vai acontecer”,disse.

Para o presidente da Confederação Francesa dos Trabalhadores Cristãos (CFTC), Cyril Chabanier, o uso do artigo 49.3 várias vezes pelo governo leva “a uma negação da social-democracia”.

“Ao usar 49.3, o presidente opta por responder a uma crise social com enfraquecimento da democracia. É uma tripla derrota do executivo: popular, moral e política”, tuitou, por sua vez, o secretário-geral da Unsa, o sindicato francês da educação, Laurent Escure. “A Unsa não vai deixar isso acontecer”, completou.

O governo liderado pela primeira-ministra Élisabeth Borne está agora exposto a moções de censura no Parlamento.

Publicado originalmente no RFI

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