Eis a primeira coisa que deve ser compreendida: esse texto não é sobre BBB (embora não houvesse qualquer problema caso fosse). Esse texto é sobre intolerância religiosa televisionada, assunto este que espero há anos para escrever.
Três participantes do reality não têm qualquer cerimônia para ofender a religião alheia. Key Alves, Gustavo e Cristian, três dos participantes do programa, levaram uma invertida muito bem dada do apresentador Tadeu Schmit sobre seus comentários infelizes acerca da religião de Nicácio.
"Ele tava parado fazendo os negócios dele" mais uma vez a religião do Fred sendo vista por algo ruim entre os participantes. A intolerância religiosa sendo nítida, até quando? #BBB23 pic.twitter.com/CE0oKo43Uw
— Fred Nicácio ?? (@NicacioFred) February 20, 2023
“Na noite de segunda (20), o apresentador fez um discurso sobre diversidade religiosa e rechaçou o preconceito em conversa com os confinados: “Todas as religiões têm o nosso respeito. Nenhuma religião é melhor do que as outras”, disse, ao vivo e em cores.
Os três preconceituosos, é claro, vestiram a carapuça. Pior: tentaram se justificar da pior maneira possível:
“Eu sei o que eu senti. É pressão de energia”, comenta Cristian. “Eu respeito todas as religiões. Todas! Inclusive, tenho amigos de todas (….). Que eu sinto uma energia pesada aqui, eu sinto. Isso é inevitável. O tempo inteiro, cara”, diz Key.
?️ Tadeu dá aula sobre “diversidade religiosa” no #BBB23. Liberdade de crença é assegurada por lei e intolerância é crime. Cristian, Gustavo e Key ficam constrangidos e merecem punição! pic.twitter.com/bUR5gqGcfp
— Bruno Guzzo® (@brunoguzzo) February 21, 2023
“Eu até tenho amigos que são” é uma desculpa tão patética que se tornou um clichê e sobretudo uma piada.
Ter amigos de religiões de matriz africana não salva ninguém de ser visto como o que de fato é: preconceituoso e, porque não dizer, burro.
“É muito delicado, só que a gente tem que se posicionar do jeito que a gente acha que é o certo e o errado. A gente está aqui pra isso”, completou a jogadora de vôlei e fortíssima candidata a vilã da edição.
Verdade, é muito delicado ser intolerante em rede nacional. Mas é essa, tão somente essa, a preocupação dos três: que suas máscaras caiam e demonstrem o quanto são preconceituosos.
Não adianta mea culpa: intolerância fede, e o Brasil sentiu o odor de longe.
Dizer que alguém tem a “energia pesada” por conta de sua religião é preconceito dos mais velados: mané energia, vocês são só intolerantes, mesmo.
“Estou bem, de boa… A gente estava falando da religião, mas não desrespeitei em nenhum momento. Respeito a religião de cada um. Foi a intenção da pessoa. Não por religião, porque religião respeito todas, já fui em todas. A gente ta falando de boa” respondeu Gustavo, um dos participantes do diálogo infeliz.
Não estou aqui para defender a pessoa de Fred Nicácio – por quem, aliás, nunca torci.
O que pretendo é dizer que preconceito religioso não pode mais ser tolerado: nem de forma escancarada, nem de forma velada.
E o BBB se limita a uma bronca?
Intolerância religiosa é crime. Quem comete esse preconceito em rede nacional deve, no mínimo, ser expulso. Quem reitera esse preconceito mesmo depois de uma bronca do apresentador, não merece sair impune.
Intolerância religiosa não é apenas condenável: ela mata. Como esquecer a garotinha apedrejada por suas vestes de candomblé?
Vejo ainda, nesse caso – e me chame de louca quem bem entender – certo preconceito racial. Fred é preto. Candomblé é religião de preto. Por quê cargas d’água nenhuma outra crença foi interpretada como “energia pesada”?
Porque pra essa gente, religião de matriz africana é coisa do diabo. E eles só não disseram isso abertamente porque, como diria Gil do Vigor, o Brasil tá vendo.
E tá vendo, também, que Nicácio não é um vilão. É apenas um homem preto que se recusa a renegar a própria religião.
Dizer que um candomblecista tem a “energia pesada” é o mesmo que dizer que o candomblé não é de deus – opinião esta muito popular aqui fora.
Espero que Fred Nicácio processe cada um que falou da sua religião, e que paguem pelos próprios preconceitos, porque, quando se trata de um crime, Dona Globo, um sermão não basta.
E antes que eu esqueça: Ora iê iê ô, minha mãe Oxum.