Golpistas também precisam ter talento. Por Moisés Mendes

Atualizado em 19 de agosto de 2021 às 9:13
Braga Netto – Foto: Reprodução

Sem golpistas com talento, os golpes não funcionam. Um golpe com gente forte, na política e na área militar, mas pouco talentosa pode até ser aplicado, mas não se sustenta. Só talvez no Afeganistão.

Foi o que aconteceu na Bolívia, onde o golpe contra Evo Morales durou um ano. Os golpistas civis e militares eram fracos, medíocres. Os déspotas não podem ser qualquer Bolsonaro.

No depoimento desta terça-feira na Câmara, o general Braga Netto ampliou as suspeitas de que falta a ele, como falta a Bolsonaro e a outros militares, esse talento.

São esforçados, mas faltam elementos que assegurem alguma consistência à construção de uma imagem. Não se trata nem do brilho do golpista, que poucos têm, mas da capacidade de transmitir firmeza e impor respeito e medo.

Os deputados da oposição deixaram claro, diante de Braga Netto, que não temem os blefes do golpe, enquanto o general afirmava que o Brasil nunca teve uma ditadura, mas “um regime forte”.

Henrique Fontana, Fernanda Melchionna, Arnildo Chinaglia, Perpétua Almeida, Padre João, Paulo Teixeira e Jorge Solla mostraram que os militares, incluindo Braga Netto, devem ser confrontados com suas fragilidades (que Paulo Guedes já chamou de despreparo).

O Brasil poderia se inspirar na postura valente, principalmente das deputadas, diante do homem que subestima e desrespeita a memória do país sobre a ditadura.

Braga Netto deu vários exemplos de que vacila bastante e de que às vezes parece mais um gerentão de Bolsonaro do que um general. Como quando perguntaram se ele não iria processar as jornalistas do Estadão Andreza Matais e Vera Rosa.

As jornalistas noticiaram, no dia 22 de julho, a ameaça que o general enviou por um mandalete ao presidente da Câmara, Arthur Lira.

A reportagem informou que no dia 8 de julho Braga Netto mandou dizer a Lira que, sem voto impresso, não haveria eleição em 2022.

Na Câmara, o ministro da Defesa negou de novo a ameaça e disse que ainda está pensando se processa as jornalistas. Ele acha que uma queixa de calúnia não tem prazo para ser apresentada.

Braga Netto não deve estar muito interessado na queixa. Há prazo, sim, de seis meses a contar do fato. A reportagem é de 22 de julho, logo completa um mês. E Braga Netto ainda está pensando.

Por que ele pensa tanto? Porque sabe que todo mundo sabe que o seu emissário foi o agora ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira. Todos os jornais já deram o nome do homem encarregado de espalhar o terror.

É relevante o fato de que duas mulheres denunciaram a armação. Braga Netto foi exposto como carimbador dos blefes de Bolsonaro por duas jornalistas. No depoimento na Câmara, foi desafiado por deputadas.

Braga Netto sabe que Arthur Lira ou o próprio Ciro Nogueira disseminaram a ameaça, que só existiria como tal se fosse pulverizada dentro do Congresso.

Lira, para não ficar com a batata no colo, mandou espalhar o que sabia, para que o aviso seguisse em frente.

Se processar as jornalistas, Braga Netto será confrontado com as fontes e a verdade, e a calúnia deixará de existir.

Braga Netto assumiu, nas explicações sobre o caso, a tática do drible básico do metido a esperto. Queixa? Calúnia? Não pensei nisso.

Não pensou numa ‘calúnia’ que o acusa de tentar amedrontar, sem conseguir, todo o Congresso.

Braga Netto fracassou como ameaçador. No depoimento na Câmara mostrou que num golpe, clássico ou não, seria um líder militar com o mesmo poder que teve quando comandou, na arrancada da pandemia, a força-tarefa contra a Covid-19 e, depois, o Programa Pró-Brasil.

Ninguém se lembra do que ele fez nos dois casos. Não há, em dois anos e meio do governo, nada que possa ser apresentado com a assinatura de Braga Netto.

Talvez, alguém cite como a grande obra do general a organização do desfile dos tanques queimando óleo diante do Planalto. Como lembrou o deputado Jorge Solla (PT-Bahia).

Leia também

1- Ramos imita Braga Netto e diz que ditadura é questão de “semântica”

2- Barroso pede indicação de Braga Netto para militar participar da comissão de transparência eleitoral

3- VÍDEO: Ligação de Braga Netto a Barroso vaza durante sessão do STF

____________________________________________________________________

NÃO DIRIA

Um general argentino diria, em depoimento na Câmara, como Braga Netto disse, que não houve ditadura no seu país?

Um general argentino afrontaria a memória de perseguidos, encarcerados, torturados, assassinados e desaparecidos (e a memória dos seus familiares), dizendo que a ditadura foi apenas um regime forte?

Um general argentino que negue a ditadura e desafie a Justiça, a democracia e as eleições estaria hoje em alta posição de comando no governo?

Texto originalmente publicado em JORNALISTAS PELA DEMOCRACIA