Governo negocia acordos com empresas alvos da Lava Jato que devem mais de R$ 8 bilhões

Atualizado em 12 de março de 2024 às 8:58
Sede da CGU em Brasília — Foto: reprodução

Sete empresas alvos da Lava Jato, acumulando dívidas somadas de R$ 8,2 bilhões provenientes de acordos de leniências firmados durante a operação, iniciarão reuniões com representantes da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Advocacia-Geral da União (AGU) a partir desta terça-feira (12), conforme informações do Globo. O objetivo é buscar a redução dos montantes devidos.

Os integrantes do governo Lula envolvidos nas negociações expressam a disposição para discutir prazos e modelos de pagamento. No entanto, as empresas de construção civil, alvos das investigações, visam abordar questões mais amplas durante as conversas. Além da engenharia financeira do acordo, buscam reduzir multas e promover uma “requalificação jurídica” dos fatos mencionados em delações, de modo a enquadrar as acusações em delitos menores.

À mesa com o governo estão as empresas Camargo Corrêa (hoje CCCC), Odebrecht (atual Novonor), UTC Participações, Andrade Gutierrez, Nova Participações (ex-Engevix), Metha (grupo controlador da antiga OAS) e Braskem.

A percepção no governo é de que as empresas realmente enfrentam dificuldades financeiras e, diante disso, medidas devem ser adotadas para evitar a inadimplência. Se a situação se prolongar, a CGU poderia ser obrigada a declarar a inidoneidade das empresas, o que as impediria de participar de licitações.

Para evitar esse cenário, ampliar os prazos de pagamento e permitir o uso de créditos tributários e precatórios são alternativas mencionadas para proporcionar alívio financeiro às empresas.

Do lado das empresas, além da negociação das dívidas, a intenção é obter a “requalificação” jurídica de alguns dos fatos descritos nas delações. A proposta é convencer a Justiça e o governo de que episódios inicialmente tratados como propina na verdade constituíram casos de “caixa dois” de campanha, caracterizando um crime eleitoral de menor gravidade. Isso possibilitaria uma redução nas multas aplicadas.

Embora a estratégia tenha suas raízes nas necessidades financeiras das empresas, ela também atende a interesses mais amplos. As empreiteiras acreditam que essa abordagem pode abrir espaço para atenuar as penas dos delatores.

Ainda de acordo com o Globo, um ex-empreiteiro disse que a compreensão é que pode haver uma conexão entre os dois temas: se um ato for reconhecido como doação eleitoral em vez de corrupção, as penalidades impostas ao delator também poderiam ser revistas.

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Sede da CGU em Brasília — Foto: reprodução

STF

O governo já identificou o movimento, e por essa razão, a perspectiva é que as decisões mais complexas acerca da validade de provas sejam encaminhadas ao Supremo Tribunal Federal (STF), conforme apontam os negociadores.

O movimento de trazer as empreiteiras para a mesa de negociação surge após a decisão do ministro André Mendonça, do STF, que suspendeu o pagamento das multas por 60 dias. Esse período visa permitir que as empresas busquem um novo acordo com o governo e o Ministério Público.

Vale destacar que das nove empresas da Lava Jato que firmaram leniência com a CGU entre 2017 e 2019, apenas duas quitaram integralmente suas dívidas (Samsung Heavy Industries e a empreiteira Coesa, desdobramento da ex-OAS).

As outras sete comprometeram-se a pagar R$ 11,5 bilhões, mas até o momento quitaram menos de um terço do montante. Assim, o governo ainda teria a receber R$ 8,2 bilhões, valor que agora está em debate. As empreiteiras alegam dificuldades para se recuperar e afirmam não terem condições de pagar o valor prometido.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), crítico da Lava Jato, chegou a afirmar em março do ano passado que se as empresas “fizeram bobagem, elas têm que pagar o preço”, mas que “não pode quebrar empresa como quebrou”.

Na primeira reunião, o governo explicará como as conversas serão conduzidas, com a abertura a cargo do ministro Vinicius Carvalho, da CGU. A intenção é que, nas próximas semanas, ocorram conversas individuais, permitindo que cada empresa trate detalhadamente do seu caso.

O acordo de leniência é equiparado a uma espécie de delação premiada para pessoas jurídicas. Por meio dele, empresas como Odebrecht (atual Novonor) e Camargo Corrêa (agora CCCC) admitiram pagamento de propina a políticos e manipulação de licitações, recebendo benefícios como descontos nas multas e facilidades para retomar contratos com o setor público.

Além da renegociação, Mendonça também determinou que, durante os 60 dias, MP, CGU e AGU debatam os termos de um novo protocolo para acordos de leniência. A intenção é criar um “balcão único” de negociação, estabelecendo regras comuns para a atuação desses órgãos.