“Graças ao Bolsonaro, viados como você vão morrer”: cidadão de bem ameaça família e é condenado por homofobia

Atualizado em 7 de abril de 2023 às 8:08
Manifestação em Brasília no dia 25 de agosto de 2019: contra a lei que coibia abuso de autoridade e o STF, a favor de Sergio Moro, Deltan Dallagnol e Operação Lava Jato (crédito: Agência Brasil)

No dia 25 de agosto de 2019, o Brasil assistiu a uma série de atos em favor do então presidente Jair Bolsonaro (à época, filiado ao PSL), em pelo menos 46 cidades do país.

Os atos eram também em defesa do então ministro da Justiça, Sergio Moro (União-PR), do então procurador do Ministério Público Federal do Paraná Deltan Dallagnol (Podemos-PR) e da Operação Lava-Jato, então encampada pelos políticos citados, quando ainda não haviam entrado para a política.

Ao mesmo tempo, eram contra o STF (Supremo Tribunal Federal) – acusado de ser parcial em suas decisões – e contra a Lei 13.869/2019, conhecida como Lei contra o Abuso de Autoridade, então recém-aprovada no Congresso Nacional, quando ainda poderia ser vetada pelo presidente (Bolsonaro não vetou, e a lei entrou em vigor 11 dias após os atos).

Os ânimos bolsonaristas andavam exaltados naquela oportunidade, sua visão era a de que a referida norma era peça de uma estratégia comunista – em conluio com o STF – para minar o então ministro da Justiça e ex-juiz da Lava Jato, Sergio Moro, bem como os procuradores do MPF-PR, punindo-os por supostos abusos que jamais teriam cometido.

Houve confusão e atos de violência registrados em algumas cidades. Na manifestação no Rio de Janeiro, por exemplo, o humorista Marcelo Madureira teve que sair escoltado pela Polícia Militar. O então bolsonarista havia criticado, do alto do carro de som, o fato de a base governista ter votado a favor da controversa lei. Após ter fugido dali, já em segurança, ele disse:

“Não tenho medo de vaias. Votei no Bolsonaro e vou criticar todas as vezes que for necessário. Como justificar uma aliança do Jair Bolsonaro com o Gilmar Mendes para acabar com a Operação Lava Jato? É isso que está acontecendo”.

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Já no município paulista de 16 mil habitantes de Pirapora do Bom Jesus, no extremo oeste da Grande São Paulo, não houve manifestações computadas pela imprensa ou pela Polícia Militar. Isso não impediu que o cidadão de bem Erick Pereira Batista e seus amigos de luta fizessem o seu ato particular.

Já cedo chegaram em um bar na rua Júlio Labriola, nº 12, devidamente uniformizados de patriotas da CBF e gritando bastante “Viva Bolsonaro”, conforme outros frequentadores do bar e gente passando na rua pôde testemunhar, posteriormente.

As manifestações foram acabando ao longo da tarde, mas, no bar de Pirapora,  Erick e seus amigos foram ficando, e foram ficando mais bêbados.

Por volta das 17h20, o bolsonarista viu uma família passando na rua. Eram dois irmãos a voltar do supermercado junto com sua tia, ele os conhecia. Seus nomes não serão divulgados.

Eles moram em uma casa a cerca de 90 metros da residência de Erick, eram vizinhos há anos. Erick nunca gostou de um dos irmãos. O motivo: ele é gay, e Erick é um cidadão de bem, conservador e defensor de Deus, da pátria e da família.

Ele decidiu, então, sair do bar em que estava, ainda com a cerveja na mão, e caminhar por 150 metros, sob o olhar das testemunhas, ofendendo ao seu vizinho gay.

De fato, na sentença da Ação Penal 1501153-95.2019.8.26.0529, da Vara Criminal do Foro da Comarca de Santana do Parnaíba, assim está narrada a conduta de Erick, com destaques incluídos pela reportagem do DCM:

Na data dos fatos, a vítima estava com a tia e o irmão. Retornavam para a residência, quando Erick Pereira Batista deixou um bar e perseguiu a vítima, festejando a vitória de Bolsonaro e sugerindo que isto levaria os homossexuais à morte

(…)

O acusado avistou a vítima na via pública e, ao se aproximar, proferiu os seguintes dizeres: ‘Graças ao Bolsonaro, viados como você vão todos morrer’. Em seguida, o denunciado arremessou uma lata de cerveja contra a vítima.

(…) 

O acusado disse a ele que, se passasse por ali de novo, atearia fogo.”

O cidadão de bem ainda arremessou blocos de concreto contra a casa da vítima (fonte: TJ-SP)

A perseguição e as ofensas só pararam quando a família chegou em casa, e a mãe da vítima foi correndo ao encontro de Erick, gritando pelo amor de Deus que o cidadão de bem parasse com aquilo.

Já o rapaz ofendido, ao invés de nunca mais passar por ali para não correr o risco de ser incendiado, foi à Polícia, onde lavrou Boletim de Ocorrência pelos crimes de homofobia, ameaça e injúria qualificada.

A polícia investigou e enviou relatório final ao Ministério Público apontando o bolsonarista como culpado pelos crimes citados. Os promotores ofertaram denúncia, e a Justiça condenou Erick Pereira Batista, no dia 27 de fevereiro deste ano, a um ano e quatro meses de prisão em regime aberto, mais multa.

Trecho final da sentença contra Erick Pereira Batista, por crime de homofobia (crédito: TJ-SP)