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Integrar a Frente Ampla pressupõe aliar-se a golpistas que jogaram o país no abismo. Por Moisés Mendes

Publicado originalmente no blog do autor

Por Moisés Mendes

Os jornais uruguaios deram nas capas, há alguns dias, uma notícia que seria improvável na maior parte do mundo. O presidente Luis Lacalle Pou colocou sua máscara anticoronavírus e foi à casa do seu antecessor.

Queria conversar com Tabaré Vazquez sobre detalhes da estratégia de combate à pandemia, que coloca o Uruguai entre os países mais bem sucedidos nessa guerra.

Foi um gesto que os uruguaios viram com naturalidade, apesar de Lacalle Pou ter sido eleito com o apoio da extrema direita. O que importava era o significado da atitude: um presidente conservador visitava, menos de três meses depois de assumir, um ex-presidente da esquerda que ficou 15 anos no poder.

Podem querer saber o que Tabaré teria dito a Lacalle Pou sobre como lidar com a peste. Mas parece que nem isso rendia notícia, porque ambos concordavam em tudo, principalmente em relação ao isolamento social que no Brasil a direita transformou em controvérsia.

O que Lacalle Pou queria dizer com a visita era que fazia o possível para tentar salvar as pessoas e tinha, no que é essencial, a concordância do seu adversário político.

Lacalle estava falando também para o povo de Tabaré: nós estamos juntos. Acontecia a convergência de políticos que discordam sobre quase tudo, mas concordam em como lidar com a urgência da pandemia.

Só não pensem que Lacalle Pou pode visitar Tabaré em busca de outras afinidades. Eles irão discordar em relação à economia, a políticas sociais, à educação, ao enfrentamento do poder financeiro mundial, às questões agrárias e às prioridades do setor público.

Mas nessa questão específica do combate à pandemia não se discute que eles estão juntos. É no que concordam.

Trazendo esse dilema para o Brasil, o apelo hoje é para que os democratas se juntem no esforço geral pela salvação das liberdades. Não é uma questão específica, não se trata da pandemia (até porque não haveria consenso), mas da chamada questão maior da democracia.

É a nossa prioridade, porque a emergência da peste nunca vai unir direita, centro e esquerda. O esforço deve ser para salvar a Constituição de 88 e alertar a Bolsonaro e seus cúmplices que a maioria não concorda com o golpe anunciado.

Está certo e assim deve ser feito de todas as formas possíveis, inclusive por manifestos que agregam a diversidade de nomes, tendências e partidos com o mesmo foco.

E aqui vale seguir o exemplo inspirador dos uruguaios. Chama-se Frente Ampla, desde os anos 70, a força que juntou setores progressistas para governar.

Para pegar o exemplo dos argentinos, chama-se ‘Todos’ a frente que elegeu Fernández e Cristina. Nenhum desses agrupamentos se chama Frente de Esquerda, como alguns propõem que se defina a resistência no Brasil.

Então, que sejamos amplos e sejamos todos, no sentido de acolher e compartilhar os mesmos projetos progressistas para resistir à extrema direita. Mas que sejam estabelecidos alguns limites, ou estaremos, daqui a pouco, aliados com Aécio Neves e José Serra.

É nesse contexto que deve ser entendida a posição de Lula. O ex-presidente se posiciona como líder de esquerda, não para determinar uma orientação que pretenda ser hegemônica, mas para deixar claro: eu decidi, nessas circunstâncias, não me misturar a ‘todos’ os que assinam manifestos.

Lula se sente constrangido com o apelo para que, em nome da defesa de democracia, sente-se ao lado de quem até bem pouco desprezava a democracia.

Lula não se nega a compartilhar assinaturas com eventuais figurantes, com os milhões de anônimos arrependidos com Bolsonaro, mas se recusa a estar ao lado de expressões do golpismo, com lideranças agora assustadas com o fascismo que ajudaram a criar.

Vamos fazer como uruguaios e argentinos fazem. Vamos definir até onde poderemos ir, para que o nosso ‘todos’ seja amplo, mas não seja nunca marcado pelo adesismo.

Que os líderes dos arrependidos assinem manifestos, no que estão certos, para tentar apagar a tatuagem bolsonarista. A democracia precisa deles. Que retornem à luta.

Mas que fique claro que o conceito de ‘todos’ deles pode ser abstrato e gasoso. E muito diferente de todos os que resistiram ao golpe contra Dilma e ao encarceramento de Lula.

Todos tão diferentes não precisam nem devem estar assim tão próximos nem tão juntos, nem em manifestos.

Diario do Centro do Mundo

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