Jacarezinho desperta reação, mas reacende direita sanguinária. Por Fernando Brito

Atualizado em 7 de maio de 2021 às 22:30
Casa no Jacarezinho após operação policial em que 25 pessoas morreram Imagem: OAB

Publicado originalmente no Tijolaço:

Talvez muitos duvidem, mas o massacre do Jacarezinho não surpreende quem acompanhou, durante quase oito anos, ao lado de Leonel Brizola, as reações da polícia a qualquer comando que restringisse seu poder de vida e morte em comunidades pobres do Rio de Janeiro – e a ordem do STF para que operações policiais em favelas se restringisse a “situações excepcionais” foi um destes comandos.

A declaração – inadmissível – do subsecretário da Polícia Civil, Rodrigo Oliveira, sobre um “ativismo judicial” que estaria “de alguma forma impedindo ou [tornando] minimamente dificultada a ação da polícia” é, para mim, uma versão 2.0 do que diziam com o “Brizola não deixa a polícia subir o morro”, porque exigia que ações de grande envergadura (e periculosidade) fossem previamente justificadas aos comando da polícia e que contassem, de preferência, com acompanhamento do Ministério Público.

Este caso é estranhíssimo e só reforça a impressão que a porta em que a tropa estava “metendo o pé” era mesmo a da decisão do STF. O inquérito – que teria consumido 10 meses e “muita inteligência” trata, como revela hoje a Folha, de acusações completamente diferentes das de “aliciamento de menores para o tráfico”, pois se trata de um levantamento sobre 21 pessoas: um, classificado como “vapor”, apenas o distribuidor final da droga, e 20 outros – aparentemente nenhum deles menor de idade – com base em publicações em suas redes sociais onde 16 apareciam armados.

Nenhuma razão, portanto, para que fosse objeto de especial atenção de uma Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente – para nós mais velhos, uma “Delegacia de Menores”. E muito menos que fosse ela a coordenadora da ação, normalmente estranha às suas atividades.

Tudo indica que, ontem, a incursão que seria apenas mais uma na longa série de afirmação de poder, inútil para qualquer coisa que não fosse uma repressão fugaz e inócua ao tráfico que voltaria a ser praticado no dia seguinte. Seria, mas a morte de um policial, logo nos primeiros minutos da operação, fez tudo desandar.

Mas o comando da corporação permitiu que a insanidade progredisse. E permitiu porque sabia ter apoio político necessário para isso, com um governo bolsonarista no Estado e da ideologia do “CPF cancelado”.

É o que expressa o general Mourão, que afirma que “era tudo bandido” sem sequer saber os nomes dos mortos e como, se fossem, a sua execução estivesse prevista na lei brasileira.

Talvez tenha sido a imensa repercussão internacional que evitou que Jair Bolsonaro entrasse em cena, com seu “bandido bom é bandido morto”, mas há festa em suas hostes pela retomada do assassinato como forma de “combate” às drogas e à criminalidade. Claro, se for entre os pobres.