Categories: Música

João Gilberto não resiste a ferimentos e sucumbe a canastrice. RIP

Ele

 

João Gilberto morreu ontem, 21 de novembro, vítima da falta de noção estética. Inventor da bossa nova, gênio, João foi atingido fatalmente por uma dupla de cantores, Maylssonn e Xandy.

Os dois intérpretes assassinaram “Adeus, América” no programa The Voice. A música é de Haroldo Barbosa e Geraldo Jacques e JG fez a gravação definitiva. Numa prova de que não há mais lugar para a sutileza, cometeram uma versão estapafúrdia da canção. A dupla de pagodeiros admitiu que desconhecia João Gilberto. Não é obrigação de ninguém conhecer qualquer coisa, claro. Para que se dar ao trabalho, se não vale nada?

Junto com João Gilberto, o pessoal do “The Voice” está executando a pauladas a suavidade da música brasileira. Numa atração em que triunfa o malabarismo, o virtuosismo de farol, em que todo mundo soa da mesma maneira, não há espaço para a delicadeza.

João Gilberto é moderno. Reinventou seu instrumento e foi o responsável por acabar com gerações de cantores com vozeirão. Ele soube usar o microfone. No fim dos anos 50, ao cantar baixinho como se estivesse conversando, pronunciando cada sílaba, mandou para o século 18 homens e mulheres que se esgoelavam para dar seu recado. Ou seja, o que fizeram foi, de certa forma, uma vingança.

JG despiu as canções à sua simplicidade máxima. Tocando sozinho, você ouvia todas as nuanças harmônicas. Ele era uma orquestra em si mesmo. Alguém já falou que o gênio faz o difícil parecer fácil. Lulu Santos, o único jurado com um pouco de juízo, ainda argumentou contra aquela violência: “Achei que houve um excesso de trejeitos vocais e desrespeito à canção original. Faltou respeito ao que a música diz”.

A letra é, de fato, uma espécie de manifesto de volta às origens. Ele estava cansado dos Estados Unidos (onde, aliás, é reverenciado). “O samba mandou me chamar/Eu digo adeus ao boogie woogie, ao woogie boogie/E ao swing também/Chega de rocks, fox-trotes e pinotes/Que isso não me convém”. Etc.

João Gilberto não cabe na histeria. Ele não merecia isso. O cantor baiano deixa uma obra gigantesca, pelo menos um apartamento, alguns processos contra a gravadora EMI, uma dúzia de lendas sobre suas manias e pelo menos uma grande frase: “Não se pode machucar o silêncio, que é sagrado”. RIP.

 

 

 

Kiko Nogueira

Diretor do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.

Disqus Comments Loading...
Share
Published by
Kiko Nogueira

Recent Posts

Deputadas do PT e PSOL foram únicas enviar emendas para prevenção de desastres ao RS

Após três eventos climáticos extremos em 2023 resultarem em 80 mortes e inundações em várias…

20 minutos ago

Sabadão do DCM: TSE mantém Bolsonaro inelegível e brocha apoios nos estados

AO VIVO. Leandro Fortes e Pedro Zambarda fazem o giro de notícias. Entrevista com deputado…

41 minutos ago

Motorista do Porsche está foragido após ordem de prisão, diz polícia

A polícia está em busca do motorista do Porsche envolvido em um acidente fatal na…

50 minutos ago

Tragédia no RS: Observatório do Clima vê culpa de legisladores por desmonte ambiental

As intensas chuvas que atingem o Rio Grande do Sul já deixaram dezenas de mortos…

1 hora ago

Eurodeputado alemão é internado após ser espancado

O eurodeputado pelo Partido Social-Democrata(SPD) e candidato à reeleição Matthias Ecke foi hospitalizado na noite…

1 hora ago

Bolsonaro é internado após passar mal em viagem Manaus

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) teve um mal-estar na manhã deste sábado (4) em Manaus…

2 horas ago