Publicado originalmente no Observatório Eclesial.
Francisco canonizou no Vaticano dois de seus antecessores, o Papa João XXIII e João Paulo II, em uma cerimônia histórica de ressonância mundial, não só pela relevância de ambas as figuras na história recente da Igreja Católica, mas também porque são dois personagens claramente opostos, representantes de dois modelos opostos de igreja. A “santidade” de um deles, o papa polonês, deve ser julgada tendo como pano de fundo a história contemporânea, uma vez que sob seu pontificado ocorreu o maior número de casos de pedofilia clerical na história do catolicismo.
É preciso avisar os milhões de pessoas prontas a elogiar João Paulo II sobre a injustiça tremenda que envolve esta canonização apressada.
O que pode significar no século XXI esta canonização? Como o teólogo José María Castillo afirma, ao longo dos séculos do Cristianismo “os interesses da Igreja mudaram radicalmente a imagem de santidade”, de modo à canonização revelar as reais intenções e projetos da instituição e de seus líderes.
Quer dizer, por trás do interesse espiritual de colocar uma pessoa como modelo, a canonização envolve também política e interesses econômicos.
Este modelo de santidade é em grande parte o resultado do longo pontificado de João Paulo II, que em 1983 estabeleceu as regras desse processo que, entre outras coisas, reduziu a cinco anos o tempo mínimo de post-mortem para iniciar um processo de beatificação ou canonização. Foi o período com mais santos canonizados na história dos papas (quase mais do que todos os papas anteriores combinados), acentuando o modelo pré-Vaticano II do santo tradicional.
Na mesma cerimônia foi também elevado aos altares o Papa João XXIII, cuja simplicidade de vida e abertura eclesial marcou um “antes e depois” para a Igreja Católica do século XX. Por que exatamente se vão canonizar dois personagens que com vida e pensamento tão diferentes? Por que na mesma cerimônia? Isso também parece ser coisa do papa polonês, que tornou moda a canonização em massa. Mas também se entende essa dupla canonização como uma estratégia de Francisco para mitigar o fervor exacerbado a João Paulo II quando vêm à luz as sombras de seu pontificado.
É necessário deter a canonização de Karol Wojtyla. Vozes credenciadas provam isso. Não só as das vítimas de seu pontificado, mas de cardeais jesuítas eminentes como Carlo Maria Martini, que declarou abertamente que não era necessária a canonização de João Paulo II, “era suficiente considerar apenas a evidência histórica de seu sério compromisso com a Igreja e a serviço das almas”.
As razões por que a canonização de João Paulo II é um ato político e não religioso:
Embora o Vaticano tenha lavado as mãos de João Paulo II, negando o tempo todo que ele sabia de casos de abuso de crianças, é pouco crível que os acobertamentos tenham acontecido sem o consentimento do papa. Um pecado de omissão que e teve e continua a ter consequências terríveis.
Do outro lado da moeda está um papa desconhecido para a maioria das pessoas, dada a distância que nos separa da primavera do Vaticano II. João XXIII, um homem simples, um pastor, alguém que não queria ser reconhecido ou reverenciado. Seu catolicismo abriu as janelas para deixar entrar ar fresco. Um revolucionário, um homem religioso que queria conhecer os anseios, sonhos, preocupações, tristezas, de milhões que nele confiaram. Um homem que proclamou a Igreja para os pobres, tornada realidade por milhões de latino-americanos.
Como podemos avaliar essa contradição? Como reflexo de da profunda crise da igreja, que se debate com lutas internas pelo poder.
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