Foi em 2015, em plena campanha presidencial na Argentina, que a Veja, em associação ilícita com o grupo Clarin, publicou uma reportagem revelando que o filho da então presidente Cristina Kirchner, hoje deputado federal Maximo Kirchner, mantinha uma milionária conta secreta no exterior.
A reportagem, redigida completamente no condicional, não apresentava nenhum tipo de prova, nem sequer as clássicas fontes em off desse tipo de jornalismo que confirmassem sua veracidade. Simplesmente afirmava que haviam contas secretas em nomes de empresas laranjas do filho da presidente.
Mesmo assim, ganhou repercussão e se transformou em manchete principal com letras garrafais do jornal Clarin, e motivo deste artigo que escrevi para o DCM.
Apesar do nível de ingenuidade de uma acusação sem provas, a força da manchete de primeira página do jornal de maior circulação do país teve um impacto avassalador. A Veja acusou, o Clarin deu manchete e milhares de veículos repercutiram.
Nenhuma pesquisa quantitativa ou qualitativa foi – e nem será – capaz de avaliar o quanto aquela manchete contribuiu para a derrota do kirchnerismo nas eleições de alguns meses depois, que levaram Mauricio Macri ao poder. Muito menos o tamanho do dano moral que o principal herdeiro político da família Kirchner teve que engolir em seco.
Seu contundente “não, não, não é verdade, há anos que nem sequer piso fora do país”, pronunciado em uma entrevista a um programa de rádio de Buenos Aires, no dia seguinte ao escândalo, não teve nem 1% do alcance da manchete duvidosa. E para a maioria dessa minoria, o criminoso sempre nega seu papel no crime. Com quase sempre a mesma veemência dos inocentes.
A nós, pobre audiência, o que sempre resta é o bom (ou mau) senso de acreditar ou não em uma denúncia jornalística sem provas, ou… confiar na Justiça, não na divina, naquela da balança e da venda, e que se chama Poder Judicial.
Pois bem, nessa semana, mais de três anos depois da reportagem de Veja e da manchete de primeira página do Clarin, que desembocou em uma investigação judicial Máximo Kirchner foi declarado judicialmente inocente.
Em sua sentença, o juiz Marcelo Martínez De Giorgi expôs toda a documentação enviada por bancos estrangeiros dos Estados Unidos, Irã e Belize (!!!) que confirmam a inexistência de qualquer conta vinculada ao filho dos Kirchner ou no nome de qualquer uma das empresas denunciadas por Veja e Clarin.
Fatos são fatos e documentos que comprovam fatos são verdades inquestionáveis, mas que uma grande parcela de cidadãos nunca conhecerão. Principalmente se a retratação for o que costuma ser nesses casos, quando existe.
A “errata” do Clarin já foi publicada. Dois parágrafos tontos de tão bêbados, a alguns centímetros do chamado pé de página, que se o leitor balançar com força (ou raiva mesmo), cai.
Acabo de mandar pelo correio uma encomenda com a cópia da sentença de Martinez De Giorgi e um cronômetro. Destinatários: Prezados colegas Eurípedes Alcântara (diretor de redação de Veja em 2015), André Petry (atual diretor de redação de Veja), Rosana Agrella Silveira, Andressa Tobita, Gabriel Gama, Leticia Antunes Larieira e Luana Lourenço Alves Pinto (checadores chefes de Veja).
Nunca vamos saber se eles terão saco para ler o trabalho da Justiça argentina. Mas pelo menos vamos poder calcular quanto tempo a revista de maior circulação do Brasil vai levar para pedir desculpas aos seus leitores (e a Máximo Kirchner).
1, 2, 3…