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Justiça pelas próprias mãos: o chocante linchamento virtual num site feminista

 

Vejo hoje no site da “Marcha Mundial das Mulheres” um post intitulado “Nota de denúncia da agressão machista praticada”, que dá o nome de um homem. No corpo do texto, há a narrativa dos atos de agressão que teriam sido praticado pelo jovem universitário — violência psicológica, física e, segundo o texto, “até agressão sexual para realização de seus fetiches” —, seguida de sua foto sob a inscrição “agressor machista”.

Um trecho diz o seguinte: “Apesar da dificuldade em explicitar esse caso e de realizar a denúncia pública, acreditamos que todas as mulheres devem saber sobre o machista com quem convivem e serem alertadas dos perigos que correm. Queremos que os companheiros de curso dele e do Centro Acadêmico do qual ele faz parte saibam que ele é um machista e agressor, que ameaça e violenta sua ex-namorada. Queremos que aqueles que têm saído ao seu lado nas manifestações do Rio de Janeiro lutando contra a violência do Estado saibam que dentre suas fileiras há um agressor”.

A pior forma de justiça é a feita pelas próprias mãos porque nela o justiceiro se equipara ao criminoso que tanto repudia.

Dentre as formas tradicionais de justiça com as próprias mãos, a vendeta é a mais gritante. Nela um parente da vítima mata o agressor, motivado por um suposto dever de honra. Um assassinato é desagravado com outro, numa espiral de violência infinda e sangrenta.

É curioso observar que as formas de violência se transformam com o tempo e ganham contornos diversos, mas, nem por isso, menos violentos. Com a urbanização, as vendetas rarearam, mas a internet está aí para mostrar que a violência muda, mas não se extingue.

Hoje, tornou-se comum, especialmente no Facebook, o que poderíamos chamar de “linchamento virtual”, que se dá mediante a divulgação de foto de uma pessoa acrescida de uma acusação. Coisas do tipo, “esse homem abusou de uma criança”, “essa mulher espancou um gatinho siamês”, “esse machista agrediu a namorada”. Com isso, uma onda de moralismo e prejulgamento ocorre e muitas pessoas, provavelmente sem reflexão, compartilham nas redes sociais a imagem.

Promover linchamento virtual não é mais digno nem mais edificante que qualquer ato de violência física.

Qualquer pessoa que tenha um mínimo de cultura sabe quanto custou à civilização criar as regras de controle do poder, para evitar os riscos do prejulgamento. Cada acusação precisa ser cuidadosamente analisada — ser submetido ao crivo da ampla defesa e do contraditório, para usar o jargão jurídico — para se verificar a veracidade da acusação. A história é pródiga em casos que começaram com uma gravíssima acusação que, com a tramitação do processo, se mostraram falsas.

O que os signatários desse manifesto não percebem é que o repúdio a um ato de violência dessa forma é uma agressão tão abjeta quanto a que dizem ter sido praticado pelo jovem. Se o fenômeno da Escola Base ocorresse hoje, essas pessoas divulgariam as fotos dos donos.

Que fique claro, seja falsa ou verdadeira a acusação, a divulgação desse tipo de prejulgamento é inaceitável e ilegal. As pessoas não têm o menor direito de fazer justiça com as próprias mãos. Quando agem desse modo, se colocam na posição de agressores. Repudiam a violência com mais violência.

A conquista da paz pressupõe a disseminação da cultura da paz. Não há tolice maior que pensar que a paz será conseguida com os atos de violência. Quem age assim não edifica nada, apenas merece total repúdio, tanto quanto os agressores de mulheres.

José Nabuco Filho

José Nabuco Filho é mestre em Direito Penal pela Unimep, professor de Direito Penal da Universidade São Judas Tadeu e quarto-zagueiro clássico. Seu email: j.nabucofilho@gmail.com

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