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Justiça trata Lula como preso político. Por Kennedy Alencar

Lula. Foto: Ricardo Stuckert

Postado originalmente no seu blog

POR KENNEDY ALENCAR

Boa parte da comunidade jurídica brasileira considera injusta a sentença contra Lula no caso do apartamento no Guarujá. Renomados juristas e advogados criminalistas afirmam que, no mínimo, deveria ter sido aplicado o princípio “in dubio pro reo”. Ou seja, diante das dúvidas para condenar, Lula deveria ter sido absolvido.

Entretanto, quando se examina a execução da pena do ex-presidente, fica claro que Lula é tratado como preso político.

Lula foi condenado pelo então juiz Sergio Moro a 9 anos e meio de prisão. Mas o TRF-4 elevou a pena para 12 anos e um mês. Esses 30 dias a mais impediram a defesa de Lula de alegar prescrição dos crimes em 2017.

Na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, Lula fica isolado numa cela improvisada, sem contato com outros detentos _apenas com seus carceiros, advogados, amigos e parentes autorizados a visitá-lo. É uma espécie de solitária.

Apesar do ululante interesse público e histórico de uma entrevista com Lula, o Supremo Tribunal Federal impediu contato do ex-presidente com jornalistas durante a campanha eleitoral. Este repórter fez um pedido para entrevista-lo após o segundo turno das eleições. Queria ouvir Lula para um documentário sobre a crise brasileira entre 2013 e 2018 que produzi para a BBC World News. Não recebi a autorização, mas apenas uma resposta do ex-presidente a uma carta que enviei na qual disse que gostaria de entrevistá-lo, citando alguns pontos da possível conversa.

Há inúmeros casos autorizados pela Justiça de entrevistas com presos.

Lula pediu e não recebeu autorização para comparecer ao velório e sepultamento de seu grande amigo Sigmaringa Seixas, advogado e deputado federal que morreu em dezembro. Era pública e notória a forte amizade entre os dois.

Não vamos nem mencionar o episódio em que a ministra Rosa Weber votou contra o seu próprio entendimento, alegando um inusitado princípio da colegialidade, para não dar provimento a uma habeas corpus em que Lula pedia para não ser preso.

Para que serve uma reunião de um colegiado se não for para eventualmente confirmar ou mudar o entendimento desse próprio colegiado? Afinal, é nesses encontros do plenário que a jurisprudência muda ou permanece como está. Um “princípio da colegialidade” congelaria todas as decisões e impediria o direito, que é vivo, de mudar.

Em novembro, numa audiência em que teria o direito de se defender das acusações em relação ao sítio de Atibaia, a juíza Gabriela Hardt deu um cala boca no réu, cerceando seu direito de defesa. Muitos aplaudiram, vendo ali um exercício da autoridade quando se tratava apenas de puro autoritarismo e desrespeito ao direito de defesa de Lula.

Se todos esses fatos não fossem suficientes para sustentar o caráter persecutório da Justiça brasileira contra Lula, chegamos ontem a um ponto que não deixa dúvida nenhuma dúvida a respeito disso.

Morreu Vavá, irmão mais velho de Lula e figura importante na vida dele. Genival Inácio da Silva, cerca de 6 anos mais velho do que o ex-presidente, foi um irmão muito próximo de Lula desde a infância em Garanhuns, em Santos e São Paulo. A lei autoriza que um preso possa comparecer ao velório e enterro de um irmão. Até o general da reserva e vice-presidente, Hamilton Mourão, considerou questão humanitária a autorização para Lula velar e sepultar o irmão.

A juíza Carolina Lebbos, que cuida da execução da pena de Lula, poderia ter decidido sozinha. Ela quis ouvir o Ministério Público e a Polícia Federal a respeito.

Subordinada ao ministro da Justiça, Sergio Moro, a PF respondeu que não poderia garantir a segurança pública desse deslocamento e nem tinha os meios para fazê-lo de forma tão célere.

Com toda a estrutura que a PF possui, essa resposta é preocupante. Como vai combater o crime organizado e reagir rapidamente a fatos mais graves? No caso Cesare Batistti, um avião foi deslocado com agilidade para a fracassada tentativa de pegá-lo na Bolívia para extraditá-lo para a Itália.

Quando decidiu levar Lula para depor sob condução coercitiva, o então juiz Moro montou um aparato de grande proporção. O petista foi levado à força ao Aeroporto de Congonhas quando poderia ter sido combinado com o ex-presidente local e hora, pois ele nunca se recusara a comparecer a uma audiência ou depoimento judicial.

Quando juiz, o hoje ministro da Justiça dava parabéns publicamente às multidões que protestavam contra o governo Dilma e pediam a prisão de Lula. Como alguém que aceitou entrar na política ao aceitar um ministério de Bolsonaro, Moro deveria manter a coerência, caso haja manifestações na simples presença de Lula num velório.

A Justiça, o Ministério Público e a Polícia Federal temem que Lula fale com jornalistas, que dê entrevistas da cadeia, que seja abraçado por amigos no enterro de um irmão tão próximo?

É inegável a grandeza política de Lula. Críticos e apoiadores deveriam reconhecer isso. O ex-presidente não morreu. A Justiça não pode querer que ele desapareça, que suma do Brasil. Lula é tão perigoso assim para os novos donos do poder?

Recear atos políticos é um sinal de como as democracias morrem. Basta olhar a Venezuela ali ao lado.

Após as negativas da juíza Lebbos e do desembargador Leandro Paulsen contra a ida de Lula ao enterro de Vavá, a defesa do ex-presidente recorreu na madrugada ao Supremo. O relógio corre. Temos pouco tempo para saber se ainda há juízes em Brasília.

Diario do Centro do Mundo

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