“Kremlin estimulou envio de grupos neonazistas à Ucrânia”, diz especialista em neonazismo ao DCM

Atualizado em 13 de março de 2022 às 10:47
Ucrânia
O pesquisador Adrien Nonjon é especialista em extrema direita ucraniana e espaço pós-soviético. Foto: Arquivo pessoal

O historiador francês Adrien Nonjon, especialista em extrema direita ucraniana, afirma que Vladimir Putin falsificou a história do país para justificar a guerra. O mandatário diz que quer “desnazificar” o país vizinho.

“Ele falsifica, ou pelo menos se baseia em uma parte da historiografia imperial russa e uma parte da historiografia soviética que sempre minimizou, ou omitiu, o fato nacional ucraniano”, explica em entrevista ao DCM.

Doutorando no centro de pesquisa sobre a Eurásia (CREE) do Instituto francês de Línguas e Civilizações Orientais (INALCO), o pesquisador afirma que além de reconstruir um imaginário em torno da Ucrânia, o presidente russo tem outros interesses.

“Há realmente uma ideia na Rússia de que é preciso encontrar uma passagem rumo ao sul custe o que custar, para poder se conectar ao comércio, aos recursos”.

Nonjon descreve o real peso da extrema direita na sociedade ucraniana. “A Ucrânia é um país extremamente normal. Não há um problema com a extrema direita. Ela está presente. Os ucranianos têm uma maturidade política suficientemente alta para ter consciência de que não se deve lhes dar o poder.”

“A questão da extrema direita na Ucrânia é bastante complexa. O fato é que ela exerce um papel extremamente marginal”, pondera.

Contrariamente ao discurso do putinismo, o geopolitólogo explica que o presidente da Ucrânia Volodymyr Zelensky é impopular diante da extrema direita do país.

Se Putin faz um falso combate contra um nazismo “anacrônico”, o historiador aponta como o mandatário russo se serviu de grupos de extrema direita e neonazistas na Rússia e nas regiões separatistas da Ucrânia para afirmar seu poder. “O Kremlin estimulou o envio de voluntários, facilitou a passagem de fronteiras para certos grupos que queriam lutar e estavam filiados à ideologia neonazista.”

DCM: Por que a Ucrânia foi invadida por Vladimir Putin?

Adrien Nonjon: É uma questão vasta. Para simplificar, a Ucrânia cristaliza nos russos diferentes aspectos, principalmente geopolíticos, na medida em que a Ucrânia, pela sua posição geográfica, navega entre leste e oeste, é um lugar estratégico que permite o controle de determinados eixos, que conduzem ao espaço-mundo. Essa é a visão da geopolítica anglo-saxã, na qual a Rússia é considerada como ilha-mundo, a Eurásia, e a Ucrânia é a porta de entrada.

Na mentalidade dos russos, que retomam um pouco desse imaginário, há essa ideia de que a Ucrânia constitui uma trava que é preciso manter sob controle para evitar uma desestabilização do país pelo controle das margens.

Em seguida, há o posicionamento geográfico da Ucrânia, voltada para o sul, o mar de Azov, depois o mar Negro, que leva ao Mar Mediterrâneo. Então sempre houve na Rússia a ideia de que era preciso um acesso aos mares quentes, dado que a Rússia só tem acesso ao mar Báltico e a uma parte do oceano Pacífico. Por enquanto, o Ártico permanece uma boa parte do ano congelado – veremos com as mudanças climáticas, então de difícil acesso.

Há realmente uma ideia na Rússia de que é preciso encontrar uma passagem rumo ao sul custe o que custar para poder se conectar ao comércio, aos recursos, etc.

Um outro aspecto é histórico na medida em que a Ucrânia é o berço da civilização eslava oriental de um modo geral. Isso remonta à Idade Média. Nessa época, a fundação no século IX do que chama-se de Rus’ de Kyiv, que é um Estado federado de diferentes povos eslavos, vikings, especificamente os varegues, um povo de mercadores que se instalam na região, que federam todas essas tribos e as administra.

Esse Estado vai se cristianizar em 988 com o príncipe Volodymyr se convertendo aos ritos cristaos bizantinos e finalmente essa região vai ser o berço cultural do mundo eslavo. Esse Estado não vai resistir muito tempo, menos de dois séculos.

Por que ele cai? Porque ele é dividido, divisões internas entre diferentes príncipes e sobretudo as invasões mongóis deram fim à existência desse Estado.

A Rússia vai se apropriar dessa herança histórica porque na época da Rus’ de Kyiv, Moscovi, território que será o czarado de Moscovi, depois o império russo, que não existia. Há um amortecimento por parte de Ivan IV, o Terrível, depois por Pedro, o Grande. Haverá toda uma reapropriação da herança da Rus’, legitimando a Rússia como única herdeira dessa entidade medieval que é a mãe de todas as civilizações eslavas.

Então há razões geoestratégicas e históricas no sentido de um imaginário no qual a Ucrânia é o berço das civilizações eslavas?

Sim, da civilização eslava e “a fortiori” mãe da Rússia. Esse discurso evoluirá ao longo do período imperial e, em seguida, soviético, onde a noção de Ucrânia é apagada. Essa região e seus habitantes serão atrelados ao povo russo. Para eles, os ucranianos e a Ucrânia são apenas primos distantes e o território é apenas um degrau ocidental da Rússia.

Mesmo se Putin, em seu discurso, atribui a Lenin a criação de um Estado artificial?

Nesse ponto, é novamente uma narrativa completamente falsa. O objetivo de Putin é simplesmente negar a existência de uma nação ucraniana e de um Estado ucraniano. Então ele retoma a narrativa que eu lhe expliquei, mas se cristaliza em torno dos anos 1920, data na qual há a fundação da República Socialista Soviética da Ucrânia. No entanto, há antes mesmo que os bolcheviques tomam o poder e Lenin crie essa república, durante a Guerra Civil Russa, entre 1918 e 1922, três Estados ucranianos independentes que se sucedem.

Primeiro, uma república popular ucraniana em Kyiv, substituída por um Netmana, um regime autoritário e conservador, que será substituído por uma nova república popular, que cobre principalmente o centro e a região de Kyiv. A oeste da Ucrânia, há uma república popular da Ucrânia ocidental, que vai terminar por se unir ao fim da guerra civil à outra república popular e, nesse meio tempo, há uma entidade controlada pelos bolcheviques na região de Kharkiv, que vai se apropriar ao fim da guerra civil, no momento em que os territórios da Ucrânia estavam divididos entre diferentes potências, a Polônia, a República Tcheca e a União Soviética.

Uma grande parte do território volta a essa república bolchevique. Lenin conduz o que se chama de “ucranizaçao”, a qual Vladimir Putin diz ser uma criação de Lenin. Ele se engana.

Quando se fala em “ucranização”, Lenin não inventa a língua ucraniana, a cultura ucraniana. Ele apenas surfa na maioria dos ucranianos, apropriando-se dela. Ele estimula seu desenvolvimento no contexto da política de nacionalidades, que visa primeiro a tirar do poder e romper com a hierarquia do império russo, quando ele predominava, para reinstalar uma elite local, nacional e ucraniana.

Há também a ideia marxista-leninista de princípios de nacionalidade, em que para lutar contra o imperialismo as nacionalidades devem ter direitos e ser o motor dessa revolução que Lenin quer internacional. E em linhas gerais, a ideia é construir um projeto político viável e coerente, o da União Soviética, que é uma federação de territórios e de povos unidos em torno de um mesmo ideal, a luta de classes e o comunismo.

DCM: Então quando Vladimir Putin fala da história da Ucrânia, ele mente, falsificando sua história?

Ele falsifica, ou pelo menos se baseia em uma parte da historiografia imperial russa e uma parte da historiografia soviética que sempre minimizou, ou omitiu, o fato nacional ucraniano.

Em relação às razões da invasão à Ucrânia, você não evocou a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Por que razão?

A Rússia não quer que a Ucrânia se junte à OTAN pelas razões evocadas nas primeiras perguntas. Essas razões remontam aos anos 2000 e 2014, mas sobretudo ao inverno (boreal) de 2021, no qual a Rússia queria fazer pressão sobre a OTAN via Ucrânia para renegociar a arquitetura de segurança da Europa fazendo da Europa central e oriental uma zona neutra.

Vladimir Putin justifica a invasão da Ucrânia por uma necessidade de “desnazificação”. Qual o real peso do nazismo no país hoje?

Quando Vladimir Putin fala em “desnazificação”, ele faz um emprego anacrônico da palavra. Nazismo remete à ideologia nacional-socialista do III Reich, um termo que só existe entre 1930 e 1945. Então se quisermos utilizar esse termo, teria que se adicionar os prefixos “neo” ou pós-nazismo.

A questão da extrema direita na Ucrânia é bastante complexa. O fato é que ela exerce um papel extremamente marginal. Mais uma vez, Putin se inspira muito em acontecimentos históricos.

Primeiro e principalmente, há uma retórica utilizada que concerne a memoria da Segunda Guerra Mundial, chamada na Rússia de Grande Guerra Patriótica, que constituiu um elemento traumatizante para a maioria dos russos, na medida em que ela não apenas derrotou a barbárie nazista. Uma parte da população se mobilizou. Quase todas as famílias russas têm um ancestral que combateu. Então ele joga com isso.

Essa memória faz com que ele pense que toda tentativa de invasão ou desestabilização pelo oeste é necessariamente fascista. Ele se baseia também, ainda sobre a Segunda Guerra Mundial, sobre as ambiguidades do movimento nacionalista ucraniano, que colaborou parcialmente com a Alemanha nazista.

O movimento nacionalista ucraniano busca reagrupar os decepcionados com a Guerra Civil. São sobretudo jovens que não admitem que a independência da Ucrânia escapou principalmente dos dirigentes socialistas e democratas da época.

Todo o objetivo do movimento nacionalista ucraniano, que emerge entre 1929 e 1940, com a fundação da OUN (Organização dos Nacionalistas da Ucrânia) é criar um Estado ucraniano. Esse movimento vai se inspirar e considerar diferentes ideologias que emergem na época, principalmente o fascismo e o nazismo de Adolf Hitler.

Há uma certa fascinação. Eles são prudentes na medida em que há visão racial por parte dos nazistas e que os eslavos estão na parte de baixo da escala. No fim das contas, eles criam sua própria ideologia, uma ideologia de terceira via, que critica tanto o fascismo quanto o comunismo, e que preconiza, não como o fascismo segundo o qual é preciso reorganizar o Estado, mas criá-lo “ex nihilo”. Por isso não podemos dizer que as origens do movimento nacionalista ucraniano sejam realmente nazistas.

Vendo a Alemanha nazista triunfar em vários lugares na Europa, aliam-se com eles pensando ingenuamente que poderão estabelecer um Estado ucraniano independente em uma Europa dominada pela Alemanha nazista. Mas eles se enganam.

A operação Barbarossa é lançada em 21 de junho de 1941. Em Lviv, um Estado é proclamado por Stepan Bandera, junto com (Iaroslav) Stetsko, membro da OUN. Eles são rapidamente reprimidos pelos nazistas, que têm outro projeto para esse espaço, que faz parte do “Lebensraum”, que deve ser colonizado.

O movimento nacionalista ucraniano é reprimido e termina decidindo se voltar contra os nazistas, antes de combater a União Soviética e partidários soviéticos.

Em relação aos acontecimentos mais recentes, os da Revolução Laranja de 2004 vê as ruas contestarem os resultados das eleições, que viam Viktor Ianukovitch, um candidato pro-russo, ganhar. A extrema direita nacionalista apoia, como outras tendências políticas, democráticas, pro-europeias, o candidato Viktor Yushchenko, que na verdade havia vencido as eleições.

Putin em Valdai
Putin defende “conservadorismo saudável” contra a volta de valores da União Soviética.


As eleições foram fraudadas?

Sim. Não somente é a partir desse momento que os russos falam em “revoluções coloridas”, mas o segundo turno foi reorganizado após a mediação de ucranianos e potências estrangeiras, principalmente ocidentais. Há a ideia de que as revoluções coloridas na Ucrânia são manipuladas pelo exterior e que a extrema direita é um instrumento.

O presidente Yushchenko adotou uma política de memoria, tentando criar símbolos nacionais para a jovem nação ucraniana a partir justamente da herança do movimento nacionalista ucraniano, de Stepan Bandera, Roman Iosypovytch, os fundadores da OUN como heróis da Ucrânia.

Ele pediu às Nações Unidas para que reconhecessem a grande fome de 1932 e 1933, orquestrada por Stalin, como um genocídio.

Com essa combinação de elementos, os russos, entre 2004 e 2008, tinham todos os seus argumentos para falar de junta neonazista no poder. Isso vai ser utilizado em 2014, quando ocorre a Revolução de Maidan, na qual os movimentos nacionalistas decidem proteger os manifestantes da polícia, principalmente os “berkout” (polícia de choque), que são utilizados por Viktor Ianukovitch.

Eles estão presentes porque não gostam do presidente e sobretudo porque têm um capital e uma experiência da violência com a qual contam para instaurar uma revolução. Esse é um primeiro ponto.

O segundo ponto é que logo após a destituição de Ianukovitch pela Rada (parlamento ucraniano), há um governo de transição, implementado em torno de (Olexandr) Turtchynov, e cinco ministros, que pertencem ao partido nacional-populista Svoboda.

Por que eles estavam ali? Simplesmente porque o governo de transição foi criado com base numa proporcional às eleições legislativas de 2012, que haviam visto o Svoboda conquistar algumas cadeiras, principalmente graças aos votos do oeste ucraniano, berço histórico do nacionalismo ucraniano.

Viktor Ianukovitch havia lhes oferecido algumas “tribunas” na mídia para lhes dar vantagem em relação à oposição tradicional, democrática. Isso porque Viktor Ianukovitch queria chegar ao segundo turno das eleições presidenciais de 2014 contra um candidato de extrema direita para se apresentar como o escudo da democracia e da liberdade na Ucrânia.

Oferecer uma tribuna equivale ao que exatamente?

Na Ucrânia, os veículos de mídia estão no coração da política. Eles são controlados pelo poder, senão pelos oligarcas, que estão em relação com o poder. Eles oferecem uma parte da audiência na mídia. Eles têm muita visibilidade. Seus discursos são retransmitidos. Seus dirigentes intervêm no debate. Eles oferecem uma tribuna midiática, coisa que não havia antes.

É a partir desse momento, do governo de transição, que ficará apenas alguns meses no poder, pois as próximas eleições levarão ao poder Petro Porochenko, que formara seu próprio governo.

Os nacionalistas, como eles têm uma tradição histórica de paramilitarismo, uma experiência com a violência, eles se dispuseram voluntariamente para resistir contra os separatistas pró-russos. Primeiro, alguns desses movimentos resistiram ao que se chama de “primavera russa”, que queria em certas regiões como Kharkiv e Odessa repetir o cenário da Crimeia, o de uma mobilização geral, primeiro uma independência, depois uma anexação.

Eles vieram ao socorro do exército regular ucraniano, que, logo no inicio do conflito, estava num estado em que não podia retomar as regiões de Donetsk e Lugansk. Depois, ele foi obrigado a recuar, diante do avanço dos separatistas, que foram apoiados pela Rússia.

Foi um batalhão voluntário, dentro do qual se encontram diversas tendências, nacionalistas e nacionalistas radicais, salvaram o fronte e tiveram uma certa quantidade de vitórias e tiveram um papel na defesa do Estado ucraniano. Daí a ideia de que, não apenas o regime ucraniano, oriundo de Maidan, é fruto de uma “revolução colorida” organizada pelas potências ocidentais mas que são neonazistas a seu serviço que exercem o poder.

Esse é o discurso do Kremlin. Mas há evidências de que as “revoluções coloridas” foram orquestradas pelo ocidente?

Não. Não há nenhuma prova tangível. Está-se na política, nas relações internacionais, necessariamente as potências querem influenciar. Não há orquestração por parte dos Estados Unidos ou outra potência.
A Revolução de Maidan é fruto de uma contestação popular, que queria mais democracia, mais transparência e se voltar para a Europa. Não é necessariamente da grande geopolítica, onde tudo é tramado pela Casa Branca ou o Eliseu.

É mais uma teoria conspiratória?

Sim, da maneira como você formulou, sim. Não se pode negar que as potências agem, que há uma correlação de forças, há lutas de influência, mas não é uma orquestração.

O Kremlin fala em golpe de Estado. Houve realmente um?

Não. Mais uma vez joga-se com palavras. Os manifestantes tentaram assaltar certos prédios administrativos, inclusive o parlamento. Eles fracassaram. No entanto, não foi um golpe de Estado porque naquele momento Viktor Ianukovitch estava num helicóptero fugindo da Ucrânia para se refugiar primeiro no Donbass e depois em Moscou.

A mudança de regime vem do próprio Viktor Ianukovitch, que decidiu fugir do país. Depois isso foi feito de uma maneira democrática no dia em que a Rada, o parlamento ucraniano, votou por unanimidade, seguindo a Constituição ucraniana, a destituição do presidente.

Portanto, a destituição estava legalmente justificada pela ausência do presidente?

Exatamente.

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Há alguma relação entre esses extremistas e o governo Zelensky?

Nenhuma. Zelensky conduzia uma política que às vezes desagradou a extrema direita, principalmente em 2019, quando ele havia estendido a mão à Rússia. Ele esperava uma desescalada do conflito no Donbass, onde ele decidiu que assinaria a fórmula Steinmeier, que previa a retirada das forças ucranianas da linha de frente, o que os nacionalistas, mas também uma boa parte da população ucraniana contestaram porque, para eles, era uma capitulação sem condições.

Zelensky iniciou uma liberalização de terras agrícolas, conhecidas por sua riqueza. A extrema direita e outras tendências políticas se opuseram. Zelensky é impopular perante a extrema direita enquanto presidente. Eu o digo enquanto presidente, não enquanto pessoa, pelo fato de que ele seja judeu ou outro aspecto, mas enquanto líder político que era impopular.

Em relação ao governo, há uma dúvida que paira sobre Arsen Avakov, que era ministro do Interior e se demitiu em julho de 2021. Ele era chefe de uma certa quantidade de batalhões da guarda nacional de tendência nacionalista. Mesmo se há nuances a considerar.

É preciso ver a política ucraniana como algo extremamente complicado e não vertical como em outros países. São mais atores independentes, cada um com sua agenda política, que podem instrumentalizar uma certa quantidade de forças para seu próprio benefício.

Há rivalidades de poder, clãs. A extrema direita pode ter sido usada como um instrumento, mas não a essência de um governo ucraniano ou do de Zelensky.

Zelensky respondeu à acusação de Putin de formar um governo nazista evocando o histórico de sua família. Qual é sua história?

Volodymyr Zelensky é originário do centro da Ucrânia, é russófono e de origem judaica, convertido à ortodoxia. Uma parte de sua família foi morta durante a Segunda Guerra Mundial durante o holocausto. Então você pode ter certeza que de maneira alguma ele faz o jogo da extrema direita ou é aliado dela.

E na Rússia, qual é o peso do neonazismo atualmente?

A extrema direita está em todo lugar, na verdade. Em países pluralistas, seja na França, na Alemanha, no Brasil, na Rússia, há uma extrema direita.

A Ucrânia é um país extremamente normal. Não há um problema com a extrema direita. Ela está presente. Os ucranianos têm uma maturidade política suficientemente alta para ter consciência de que não se deve lhes dar o poder.

Na Rússia, há uma extrema direita. Ela está menos ativa do que nos anos 1990, quando houve a coalizão vermelho-marrom, que deveria derrubar o presidente Yeltsin. Ela é utilizada pelo poder.

Fala-se muito da empresa militar privada Wagner, cujo chefe é abertamente neonazista. Basta olhar para as tatuagens nos ombros para identificar qual é sua tendência política. Há uma instrumentalização da extrema direita pelo Kremlin, que pode utilizar certos grupos minoritarios para pressionar a oposiçao russa e controlar a oposiçao nacionalista.

Zelensky promete que Rússia pagará pela guerra e que reconstruirá Ucrânia
Zelensky

Ele usou esses grupos?

Sim, alguns. Ele financiou alguns grupos de jovens para fazer antecâmaras do Kremlin na extrema direita do espectro político. No Donbass, do lado separatista (da Ucrânia), vários batalhões de voluntários e movimentos de extrema direita foram combater; o batalhão Viking, o Movimento de Resistência Imperial Russo, classificado pelo Departamento Americano como organização terrorista internacional. A extrema direita está em todo lugar.

O Kremlin financiou grupos de extrema direita no Donbass?

Sim, de uma maneira ou de outra sim. O Kremlin estimulou o envio de voluntários, facilitou a passagem de fronteiras para certos grupos que queriam lutar e estavam filiados à ideologia neonazista. Os neonazistas estão dos dois lados da linha de frente.

E quanto à empresa Wagner, há elementos que mostram ligações claras com o Kremlin?

Sim, cada vez que o Kremlin lançou uma campanha, na Líbia, na Síria ou na África Central, Wagner sempre se encontrava na primeira linha. Wagner apenas segue ordens de batalha russas. Então, necessariamente, pensa-se que para que o poder lance uma tal força num conflito, é preciso o acordo do Kremlin.

Slavoj Zizek diz que Putin constitui uma nova forma de fascismo. Você concorda?

Fascismo, é muito difícil dizer. Para Putin na Rússia, poderíamos falar mais de um parafacismo. Parafacismo é uma terminologia desenvolvida por um historiador britânico Roger Griffin, um imenso especialista em fascismo. Trata-se de um regime em que se emprega uma retorica nacionalista, ou ultranacionalista, ou mesmo a ideia de renascimento da naçao, coisa que Vladimir Putin deseja, fazer da Russia uma nova grande potência, ou que pega emprestada uma certa quantidade de caracteristicas do fascismo, mas nao se pode necessariamente dizer que é o fascismo. É uma filiação longínqua.

O que você vê no horizonte dessa guerra?

Não consigo responder essa pergunta. Ainda é muito cedo para dizê-lo.

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