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Lava Jato: quando o bolso fala mais alto que a ética. Por Marcelo Auler

Carlos Fernando dos Santos Lima

Publicado no blog do Marcelo Auler.

A Operação Lava Jato trouxe a público um time de procuradores da República que se intitularam e passaram a ser vistos como guardiães da moralidade e da defesa dos cofres públicos.

Aos poucos, porém, se constata que como todos os seres humanos, e em atitude bem típica do brasileiro à “La Lei do Gérson” – “é preciso tirar vantagem em tudo, certo?” – os ditos guardiães também escorregam na ética, ainda que não na ilegalidade. É o que revela, indiretamente, a reportagem deste domingo (27/08) de Mônica Bergamo, na Folha de S. Paulo: Advogado acusa amigo de Moro de intervir em acordo.

A matéria divulga denúncias de um ex-advogado da Odebrecht, Rodrigo Tacla Duran, contra o advogado trabalhista Carlos Zucolotto Júnior, amigo e padrinho de casamento do juiz Sérgio Moro. Trata-se de uma história ainda muito mal esclarecida, apesar de da nota oficial divulgada por Moro. Duran promete novas e fortes moções pois, segundo disse, possui arquivos de conversas guardados. Mas há uma revelação interessante sobre o procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima, um dos ditos guardiães da moralidade, da chamada República de Curitiba.

Ele acionou judicialmente a União (processo 020682-77.2006.4.03.6100, na 21ª Vara Cível Federal de São Paulo) em busca de ganhos extras no valor de R$ 26.678,14, a título de complementação de diárias de viagem. Trata-se – que fique claro – de um direito dele, discutir o que achava merecer. Que, de resto, lhe foi negado em duas instâncias judiciais – na 21ª Vara Cível Federal de São Paulo e no Tribunal Federal Regional da 3ª Região (São Paulo e Mato Grosso do Sul). Insatisfeito com as decisões, insiste no pedido junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) – REsp nº 1583532 / SP.

Independentemente da discussão jurídica há, aparentemente, uma questão ética. Que parte de quem hoje surge como um dos bastiões da ética e da moralidade entes políticos e agentes públicos, em especial nas relações com os combalidos cofres, no caso, da União.

Curioso é que a discussão judicial protagonizada por ele se iniciou em 20 de setembro de 2006, muito embora seu pedido se refira ao pagamento de 101 diárias de mais de um ano anos (10 de janeiro a 8 de julho de 2005). Ou seja, no primeiro semestre daquele ano, dos 130 dias úteis entre 10 de janeiro e 8 de julho, o procurador passou 101 dias viajando. Como de direito, recebeu para as diárias despesas de acomodação e alimentação e locomoção no local de destino – as passagens correm por fora.

Um ano depois da viagem feita e, consequentemente, despesas pagas e acertadas, resolveu pedir mais. O que ele reivindica, sem contar juros e correção monetária referentes aos últimos 12 anos, ainda equivale a mais (R$ 75,77) do que o seu vencimento bruto atual (R$22.224,64) somado ao auxílio moradia (R$ 4.377,73).

Em geral, a diária de um procurador da República corresponde a 1/30 do seu subsídio. Ou seja, no caso, ele no primeiro semestre de 2005 recebeu a título de indenização pelos gastos em viagem mais de três salários extras (três salários e onze dias). O cálculo pelo subsídio bruto de julho passado (R$ 30.471,11) corresponderia a R$ 102.586,00.

O pedido dele, feito mais de um ano depois, se respalda na promulgação, em julho de 20o5, da Lei nº 11.144. Ela fixou o subsídio do Procurador Geral da República em R$ 21.500,00, com efeitos retroativos a partir de 1 de janeiro de 2005.

Santos Lima entendeu ser seu direito que as diárias recebidas entre janeiro e julho, uma vez que correspondem a percentual do subsídio, também fossem majoradas, tal qual o recebimento do aumento salarial retroativo.

Não lhe importou o fato de diárias serem pagas para despesas que o servidor tem a serviço. No caso, quando recorreu à Justiça, já se passavam mais de um ano do período que ele fez os gatos.

Considerou que a indenização das despesas em viagens a serviço equivale a salário/subsídio. Tanto assim que, depois de ver o pedido negado pelo juízo de primeira instância, foi atrás da modificação da decisão na segunda instância.

Curiosamente,  na sua página do Facebook encontra-se criticas à tentativa de se controlar os vencimentos da magistratura e do Ministério Público. Pela postagem reproduzida lá, ele vê tais fatos como uma forma de “enfraquecer o controle da corrupção“.

Será que, ao ter rejeitado o seu pedido no Judiciário, também entendeu como forma de “enfraquecimento” da sua luta pela moralidade pública? Afinal, no TRF3, defendeu que não podia sofrer redução salarial, como se diárias de viagem fossem subsídios.

Como consta do voto do desembargador Johonsom di Salvo, alegou que o reajuste das diárias era necessário em respeito ao “princípio da irredutibilidade de vencimentos”. Viu, porém, seu pedido rejeitado, por unanimidade, nos termos do voto do relator (confira abaixo).

Ao negar o pedido, di Salvo ainda destacou o óbvio: a viagem e seus gastos já estavam ultrapassadas.

uma vez realizado o pagamento, tem-se por cumprida a finalidade a que se destina a diária. Portanto, a complementação do valor das diárias em decorrência da majoração do subsídio não faz nenhum sentido, eis que a finalidade da diária já paga foi exaurida.

 

(…)

 

Marcelo Auler

Jornalista e escritor com passagem por virtualmente todos os órgãos de comunicação do Brasil. Autor do blog http://www.marceloauler.com.br/sobre-mim/

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Marcelo Auler

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