Lollapalooza: Após flagra de escravizados, violação grave de direitos trabalhistas no 1º dia de festival

Atualizado em 25 de março de 2023 às 19:25
Lollapalooza 2023, em São Paulo. (Foto: Reprodução/Web)

Por Gil Alessi

Cerca de 800 funcionários dos bares do Lollapalooza, responsáveis por entregar as bebidas aos mais de 100 mil frequentadores diários do evento, estão com seus direitos trabalhistas “gravemente violados”. Esta foi a conclusão de uma nova fiscalização no multimilionário festival de música, em seu primeiro dia de atrações, sexta-feira (24). Auditores fiscais do trabalho encontraram uma série de infrações cometidas pela empresa terceirizada Team Eventos, que substituiu a Yellow Stripe depois que a organização da festa rompeu o contrato em razão do flagrante de que cinco trabalhadores eram mantidos em condições análogas à escravidão conforme revelado em primeira mão pela Repórter Brasil.

Os contratados da Team Eventos realizavam jornadas irregulares de 12 horas, sem remuneração por hora extra e sem o descanso adequado previsto em lei, tinham o valor do exame médico admissional descontado de seu salário e não recebiam vale transporte.

Vista geral do festival de música Lollapalooza 2023, em São Paulo. (Imagem: Reprodução/Redes sociais)

A ação foi realizada pela Superintendência Regional do Trabalho no Estado de São Paulo, ligada ao Ministério do Trabalho e Emprego a mesma equipe que resgatou os funcionários escravizados no início da semana. “São violações graves. A empresa já foi notificada, exigimos que a situação seja regularizada imediatamente”, afirma Rafael Brisque Neiva, auditor fiscal do Trabalho que participou das fiscalizações. Segundo ele, a Team Eventos terá que comprovar que se adequou à legislação e que realizou os pagamentos dos direitos devidos aos trabalhadores.

Em resposta aos questionamentos enviados pela Repórter Brasil, a Team Eventos informou que “em menos de 24 horas teve que mobilizar grande contingente de pessoal e promover ajustes em nossa operação a fim de realizar o serviço”, a disse estar “trabalhando nas adequações cabíveis”. Já a Time for Fun (T4F), dona do Lollapalooza no Brasil, disse que solicitou “imediata regularização” dos direitos trabalhistas e “o encaminhamento das comprovações” por parte da terceirizada. “Temos firme compromisso com o respeito às pessoas e à legislação”, complementa. A íntegra das respostas está no final do texto.

A empresa Team Eventos foi contratada pela T4F de forma emergencial após a Yellow Stripe, outra terceirizada, ser flagrada usando trabalho escravo na terça-feira – e ter seu contrato rescindido. “A T4F continua omissa, deixando de fiscalizar e verificar o cumprimento da legislação trabalhista pela nova empresa contratada, uma falha no seu processo de devida diligência”, diz Neiva.

A Team Eventos havia combinado com os trabalhadores o pagamento de diárias de R$ 160 e jornadas de doze horas, sem o pagamento das quatro horas extras adicionais ao turno regular, de 8 horas. Além desse problema, de acordo com a legislação, é obrigatória uma folga de 36 horas após essa jornada estendida, mas os trabalhadores do Lollapalooza tinham direito a um descanso inferior a 12 horas depois de cada dia de trabalho.

O Lollapalooza começou na sexta-feira, com um público estimado em 103 mil pessoas, e vai até domingo (26). O ingresso para um dia de evento custa R$ 1.300, mas pacotes luxuosos chegam a R$ 5.300, e garantem os três dias de shows e acesso às áreas VIPs, com cadeira de massagem e outros benefícios. Dentre as atrações deste ano estão grandes nomes da música, como Billie Eilish, Lil Nas X e Drake. No ano passado, o festival movimentou mais de R$ 400 milhões, segundo a prefeitura paulistana.

Festival tem histórico de trabalho escravo

Na terça-feira uma fiscalização resgatou cinco trabalhadores em condições análogas à escravidão no autódromo de Interlagos, sede do festival. Eles trabalhavam como carregadores de bebidas em jornadas de 12 horas diárias: “Depois de levar engradados e caixas pra lá e pra cá, a gente ainda era obrigado pela chefia a ficar na tenda de depósito, dormindo em cima de papelão e dos paletes, para vigiar a carga”, afirmou J.R, um dos resgatados,  à Repórter Brasil.

A Yellow Stripe, terceirizada responsável pela contratação dos trabalhadores, informou em nota que “cumpriu as determinações do Ministério do Trabalho, sendo que os empregados em questão foram devidamente contratados e remunerados”. Já a T4F afirmou tratar-se de um “fato isolado”, e disse repudiar “veementemente o ocorrido”.

Deputadas querem proibir nova edição

Um grupo de deputadas e vereadoras de São Paulo protocolou na sexta-feira uma medida cautelar pedindo o veto a novas edições do festival de música Lollapalooza pelo uso de mão de obra em condições análogas à de escravo. O pedido, assinado pelas parlamentares Sâmia Bonfim, Mônica Seixas e Luana Alves, todas do PSOL, tem como base reportagem da Repórter Brasil que abordou o resgate de cinco trabalhadores em situação de trabalho escravo nas dependências do festival.

O documento foi enviado ao governador do Estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas e ao secretário da Fazenda e Planejamento, Samuel Kinoshita. Ele pede que seja aplicada a lei 14.946/2013, que prevê punições para “qualquer empresa que faça uso direto ou indireto de trabalho escravo ou em condições análogas”. Agora cabe à Justiça julgar a procedência do pedido, o que não tem prazo para ocorrer.

As parlamentares solicitaram a “cassação de sua inscrição [da T4F] no ICMS e a proibição de seus sócios exercerem o mesmo ramo de atividade ou inscrição de nova empresa no estado de São Paulo, nos termos legais”. Medida que na prática inviabilizaria novas edições do festival.

“A empresa Time 4 Fun afirma que foi um caso isolado, mas todos sabem que em 2019 ela já havia sido denunciada por uso de mão de obra análoga à escravidão na montagem dos palcos”, diz a deputada federal Sâmia Bonfim.

Leia a íntegra dos posicionamentos das empresas:

Team Eventos

A propósito dos questionamentos , esclarecemos :

1 -Fomos contratados em caráter emergencial no dia 22/03/2023 , em função do rompimento de contrato com a antiga prestadora de serviço

2- Em menos de 24 horas tivemos que mobilizar grande contingente de pessoal e promover ajustes em nossa operação a fim de realizar o serviço

3 – Já no dia 24/03/2023 , no inicio da nossa operação fomos submetidos a processos de inspeção por parte do Ministério do Trabalho. Em respeito as determinações apresentadas , estamos trabalhando nas adequações cabíveis

Time for Fun (T4F)

A Time for Fun tem firme compromisso com o respeito às pessoas e à legislação. Nossa conduta empresarial está expressa em normativos que são divulgados para nossos públicos de relacionamento, dentre os quais colaboradores, fornecedores e prestadores de serviço. Por isso, logo que chegou ao nosso conhecimento as determinações do Ministério do Trabalho com relação a uma de nossas prestadoras de serviço, solicitamos a imediata regularização e o encaminhamento das comprovações.

Publicado originalmente por Repórter Brasil

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