“Mãos sujas de sangue”: ativista palestina critica a mídia na cobertura de Gaza

A jornalista e ativista Soraya Misleh concedeu entrevista ao DCM

Atualizado em 20 de outubro de 2023 às 12:55
Soraya Misleh
Soraya Misleh. Foto: Reprodução/DCMTV/YouTube

Soraya Misleh é jornalista palestino-brasileira, membro da diretoria do ICArabe, da Ciranda Internacional da Informação Independente e da Frente em Defesa do Povo Palestino

Ela tem especialização em Globalização e Cultura, é mestre e doutora em Estudos Árabes pela Universidade de São Paulo. Também é autora do livro “Al Nakba – um estudo sobre a catástrofe palestina”, pela Editora Sundermann.

Soraya foi entrevistada por Gilberto Maringoni na Superlive de Domingo do DCMTV. Leia os principais trechos.

“O germe da violência é a opressão”

A gente está em pleno século 20 e continua vendo esse tipo de situação. Eu não sei como responder exatamente essa pergunta [se ocorrerão outros genocídios como esse em Gaza]. Só consigo dizer que na história da colonização a gente viu e continua a ver essa situação que ocorre agora na Palestina.

A história é mais longa. É a história da colonização da era contemporânea, de mais de 75 anos.

Não sei exatamente como responder. Só dizer que, num projeto de colonização, a limpeza étnica é parte disso. É instrumental.

Quando a gente teve a luta anticolonial na Argélia, se vocês pegarem os jornais da época, verão que eles taxaram os argelinos de terroristas. E era uma luta anticolonial.

Se vocês pegarem em outras situações na história, também era uma resistência anticolonial. Não era através de flores que as pessoas iam libertar suas terras, certo?

Então isso é intrínseco. Agora, quem causa a violência, o germe da violência, é a opressão, é o opressor. A violência tem uma origem e a origem é uma opressão nacional que já dura mais de 75 anos.

Perguntar se os palestinos são violentos por natureza ou se os palestinos gostam de violência não cabe. Tem até um poema nosso, palestino, que é símbolo da luta nacional [de Mahmoud Darwish, que foi dito por Yasser Arafat].

Esse poema diz que os palestinos sofrem de uma esperança, de um mal incurável. É a esperança de não mais ver a cor vermelha de sangue. Esperança de recuperar. Esperança de retomar o nome original dessa terra. É a terra do amor e da paz.

Esse é o sentido do que era a Palestina histórica que eu estava comentando para vocês. É uma Palestina de uma vida comunitária em que as pessoas não não trancavam as suas portas como agora.

As pessoas imediatamente nos taxam de terroristas. Porque as pessoas acreditam em fake news achando que os palestinos cometem barbáries. Essas fake news já estão sendo desmentidas. Dizer que palestinos decapitaram bebês é algo que não aconteceu.

O responsável por essa ação coordenada, o opressor, é o Estado de Israel, o primeiro-ministro Netanyahu. Ou vocês imaginam que alguém vai ser submetido, será afogado e vai ter alguém pisando na sua cabeça a vida inteira e essa pessoa não vai fazer de tudo para respirar?

É uma situação-limite muito desesperadora. O que eu queria dizer é que é muito fácil falar em um oriente inventado e habitado de bárbaros “atrasados e violentos por natureza”. “Bárbaros” que precisam ser controlados ante um ocidente que seria “lógico, civilizado e pacífico”.

A retórica de Israel é que eles são a civilização contra a barbárie. É um racismo intrínseco que considera os árabes como “ruins”.

É como nos filmes ruins, com “árabes malvados”, como filmes em Hollywood. Toda essa propaganda ideológica está presente nessas imagens e nesses filmes.

Ninguém ouve as nossas vozes. Por quê? Não é só porque tem um racismo intrínseco que aceita a propaganda ideológica, mas porque há o interesse material certo na mídia que está reproduzindo o discurso do imperialismo.

E tem interesses geopolíticos. Manter a dominação na região necessita desse Estado ali para isso, em uma região rica em petróleo. A mídia nas mãos das grandes corporações transnacionais fica reproduzindo a propaganda ideológica de Israel.

É muito esquisito. Vou ser sincera com vocês. É muito revoltante. Sabe, você vê a gente do nosso povo sendo massacrado desse jeito. E vê uma parte do mundo aplaudindo.

Estamos lutando por Justiça. E as nossas vozes não sendo ouvidas ou, quando são ouvidas, entram nessa perspectiva ridícula de ambos os lados. Só que estamos falando do forte e do fraco, do colonizado e do colonizador.

Daquele que promove a limpeza étnica. A quarta potência bélica do mundo e uma assimetria brutal para quem está resistindo. 

“Os palestinos não são terroristas”

Posso garantir para vocês que os palestinos não são terroristas. E vocês não perguntam se o Estado de Israel é terrorista.

E o que o Estado de Israel faz com os palestinos é terrorismo. É terrorismo de Estado há mais de 75 anos e nós temos que começar a usar as palavras corretas.

Os palestinos resistem. A resistência é existência pelo Direito internacional em situação de ocupação. Ela é legítima sobre todos os meios.

Não considero que essa é uma situação de terrorismo, o conflito na Faixa de Gaza. É uma luta anticolonial por libertação nacional.

É diferente do que faz há mais de 75 anos o Estado de Israel.

“A grande mídia tem as mãos sujas de sangue; Pontual é uma vergonha”

Outro dia ouvi o Jorge Pontual falando na GloboNews. Quero dizer que eu tenho vergonha do Pontual. Tenho vergonha, tá?

Vocês da velha mídia têm sangue sujo nas mãos. Vocês têm sangue nas suas mãos também pelo que estão fazendo.

Isso não é jornalismo. Isso é propaganda ideológica. Ou vocês iam chamar um africâner durante o apartheid na África do Sul nos anos 90 como fonte ou iam chamar um colonizador como fonte.

Só que o que nós estamos vendo é que a fonte são as fake news de Israel. São as mentiras para demonizar quem resiste na Palestina.

“Vocês não vão ver nossos rostos na mídia”

Enquanto eu estou falando com vocês do DCM, agora tem mais uma família sendo dizimada. E eu ouvi uma mãe falando e reagindo quando ela soube que sua família inteira foi dizimada.

Essa mulher gritava na rua e gritava com todo o mundo. Quando é que vocês vão olhar para nós? Eu penso assim: nós temos que fazer de tudo. Agradeço muito ao DCM, porque nós temos que fazer de tudo para denunciar essas fake news.

Precisam acreditar que nós somos gente que nem vocês. Precisam acreditar que nós somos de carne e osso.

Outro dia, um jornalista foi me entrevistar e falei para ele: Pega em mim, põe a mão em mim para você ver que eu sou de carne e osso. 

Sabe por que fazer isso? Porque vocês não vão ver os nossos rostos na mídia. A cobertura é feita desumanizando a gente

Veja a live completa.

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