Duelo Macron x Le Pen deveria servir de lição para eleição presidencial no Brasil, diz especialista

Atualizado em 10 de abril de 2022 às 9:49
Duelo Macron x Le Pen deveria servir de lição para eleição presidencial no Brasil, diz especialista
Foto. Reprodução / DW

Por Silvano Mendes

Os franceses vão às urnas neste domingo (10) para o primeiro turno da eleição presidencial. Boa parte das pesquisas apontam um possível duelo no segundo turno entre o atual chefe de Estado, Emmanuel Macron, e a líder da extrema direita, Marine Le Pen, repetindo o embate de 2017. O cientista político Miguel Lago explica por que o pleito francês deveria ser acompanhado de perto pelos políticos que concorrem à presidência do Brasil em outubro.

Macron aparece como favorito desde o início da campanha. No entanto, a extrema direita ganhou força nesta eleição com a dupla Marine Le Pen e Eric Zemmour, dois candidatos que, mesmo se detestando e vindo de partidos distintos, acabaram consolidando a maior força política do país, de acordo com as pesquisas de intenção de votos.

Para o cientista político Miguel Lago, que leciona no Instituto de Ciências Políticas de Paris (Sciences Po) e na Universidade de Columbia, em Nova York, o panorama francês é fruto de uma transformação que vem sendo vista desde o final dos anos 1980, com “uma extrema direita organizada e consistente, que em 30 anos dobrou seu eleitorado básico e de raiz”, como em outros países. 

Porém, ele lembra que mesmo Marine Le Pen lidera esse movimento há anos e que “se fala muito dessa nova extrema direita no mundo todo, com nomes como Trump ou Bolsonaro, [na França] a figura que mais parece com esses personagens de extrema direita é Zemmour, e não Marine Le Pen”. Para o cientista político, “ela já é praticamente um establishment” da extrema direita. “Ela não diz as mesmas barbaridades que Zemmour e, ao lado dele, parece até uma direita convencional”, resume.

Zemmour, um jornalista polêmico e sem experiência política, já foi comparado ao presidente brasileiro. “São dois políticos que fizeram fortuna vendendo ódio”, aponta Lago.

“Além disso, o discurso da extrema direita europeia clássico é anti-imigração. Mas o discurso de Zemmour não é anti-imigração, e sim anti-francês. Para ele, existe um tipo de francês que não é francês, e sim um cidadão de segunda classe, que deveria ser ‘re-imigrado’ e perder a nacionalidade. Bolsonaro também tem isso, pois [para ele] certos brasileiros não deveriam ser considerados como brasileiros. Ou seja, o inimigo está aqui dentro. Ele não é um imigrante que está roubando nossos empregos, como seria o discurso clássico da extrema direita”.

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Le Pen eleita não é vitória de Bolsonaro

Macron e Bolsonaro no G20
Imagem: Dominique JACOVIDES/POOL/AFP

Zemmour praticamente não tem chances de vencer e Marine Le Pen se aproxima cada vez mais de Macron. A tal ponto que nesta última semana de campanha alguns analistas diziam que ter a chefe da extrema direita como presidente da França não seria mais um cenário de ficção cientifica.

E qual seria o impacto desse possível resultado para o Brasil? Miguel Lago ressalta que “Marine Le Pen não está tão conectada com os movimentos de extrema direita globais, como a sobrinha dela, Marion Maréchal, como Zemmour ou ainda o Bolsonaro. Eu não acho que uma eleição de Marine Le Pen seria uma vitória do Bolsonaro, pois eu nem sei se eles se identificam como parte da mesma família política”, aponta.

Mas bem além da hipótese de uma vitória de Le Pen, o cientista político estima que o pleito francês deveria servir de alerta para os brasileiros, que se preparam para eleger um presidente em outubro. Ele lembra que Macron praticamente não fez campanha, abordando a corrida eleitoral como se a disputa já estivesse vencida, confiando no balanço de seu governo. Para o professor, Macron não percebeu que “estava em uma eleição difícil, por mais que tenha sido bem avaliado durante sua gestão”.

Os riscos da estratégia do “já ganhou”

Nesse sentido, o professor compara com a situação brasileira, com políticos que poderiam se acomodar diante de sua popularidade. “Eu acho que isso é uma lição importante que o Brasil e os candidatos, especialmente o Lula, que devem estar atentos, pois com a extrema direita não basta apenas um bom desempenho governamental. É preciso ter estratégia política e fazer campanha na rua, coisa que o Macron não fez”, ressalta.

Além disso, aponta Lago, a França viu uma política da extrema direita se tornar aos poucos uma candidata do campo popular, “com uma liderança populista que está falando mais do que com o seu nicho ideológico. Ela está fazendo isso habilmente”, avalia. “Não existe mais o medo que existia na França em relação à Marine Le Pen. E se o Bolsonaro fosse esperto, ia querer copiá-la”.

“Mas é claro que é muito mais fácil se transformar em candidato do campo popular quando se tem diante de si um tecnocrata como Macron, e não quando se tem uma liderança também popular, como o Lula. Então para o Bolsonaro é mais difícil fazer isso”, pondera o professor. Porém, ele chama a atenção para o fato que, como Macron com sua estratégia do “já ganhou”, no Brasil “tanto a esquerda como a direita democráticas acham que já está ganho, e que vai ser ou Lula ou o outro candidato, sendo que Bolsonaro é muito consistente eleitoralmente e tem total chance de se reeleger, apesar de seu péssimo desempenho de governo”, conclui Miguel Lago.

(Texto originalmente publicado em RFI)

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