
As imagens do povo Yanomami em pele e osso chocam mundialmente. Em artigo desta quinta-feira, o jornal espanhol La Vanguardia fala em “imagens horripilantes” e destaca: “570 crianças mortas”. Para a publicação de Barcelona, a responsabilidade parece clara. “Há muitos indícios de que membros do governo de Bolsonaro são os responsáveis pela morte de centenas de crianças”. As condutas de Damares Alves e de setores evangélicos são particularmente apontadas.
“Centenas de crianças morreram devido à desnutrição severa da qual sofrem suas comunidades com o impacto da contaminação dos rios com mercúrio dos minérios ilegais, protegidos pelo governo de Bolsonaro”, afirma o repórter Andy Robinson.
“As imagens de crianças esqueléticas na Africa ou na Ásia não faltam nas campanhas de caridade das poderosas igrejas de direita cristã brasileira. Mas as horripilantes fotos do povo indígena Yanomami, publicadas na capa de todos os jornais brasileiros esta semana, não serão tão facilmente aproveitadas pela ‘bancada da Bíblia’ no Congresso, nem por seus ex-ministros evangélicos do governo de Jair Bolsonaro”, ironiza.
“Plenamente incorporados ao poder governamental e à Fundação Nacional para o Índio (Funai) durante a presidência de Bolsonaro, há muitos indícios de que eles mesmos são os responsáveis pela morte de crianças de que milhares se encontrem um estado grave de desnutrição”, aponta.
“Há muitos indícios de que membros do governo Bolsonaro são os responsáveis pela morte de centenas de crianças”.
“Um dos bolsonaristas que se encontra na mira da investigação é a ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos Damares Alves, pastora evangélica, e aliada estreita de Bolsonaro e de sua mulher neobatista Michelle”, menciona.
“Uma em cada três entre as 570 crianças foram vítimas de pneumonia. Outros de malária e de viroses. Mas o que elevou a letalidade foi a desnutrição”.
“Mas a arma mais letal nesta ocasião é o mercúrio utilizado para separar o ouro da rocha. Depois da contaminação dos rios, a pesca, principal fonte de sustento para a maioria dos povos na Amazônia, é cada vez mais inviável”.
O jornal de Barcelona questiona a versão de Damares. “Alves, ídolo bolsonarista que foi eleita senadora no ultimo dia 30 de outubro, qualificou o problema da fome nos povos indígenas de um ‘dilema histórico (..) devemos enfrentar a raiz do problema. Sempre questionei a política de isolamento imposta a algumas comunidades (indígenas)’, disse”.
“Mas a crise humanitária dos Yanomami não é problema de isolamento, mas exatamente o contrário. A fome e a doença chegaram com a invasão do território por dezenas de milhares de mineiros ilegais em busca de ouro armados, como nos séculos anteriores, de fuzis, germes e alguma bíblia da igreja da Assembleia de Deus”.
“Alves participou da decisão de contratar uma ONG evangélica, Missão Caiuá, que embolsou a maior parte do orçamento para a saúde indígena na terra Yanomami, privatizando o trabalho da Secretaria de Saúde Indígena (SESAI ). O lema corporativo da Missão Caiuá é: ‘Estar a serviço do Índio para a Glória de Deus’”, aponta.
La Vanguardia lembra o passado de Damares e indica a atitude negligente da ex-ministra diante dos desastres reais vividos pelos povos amazônicos enquanto ela inventava fake news.
“Alves – que adotou há mais de 20 anos uma menina indígena no estado de Mato Grosso – é outra via de investigação policial, relacionada com a ONG Atina Voice for Life, que a senadora criou com um grupo de neopentecostais estadunidenses. Segundo a acusação, é a responsavel pelo sequestro de várias crianças indígenas em Mato Grosso”.
“Poucos se esquecem de que Alves impulsionou a decisão de nomear o ex-missionário Ricardo Lopes Dias, da ONG estadounidense Nuevas Tribus, como responsável por povos não-contactados na Funai”.
“Mas talvez o exemplo mais impactante de que Alves foi a raposa no galinheiro em suas atribuições com as crianças indígenas foi a declaração em plena campanha eleitoral de que dezenas de crianças na Ilha de Marajó, em Roraima, eram vítimas de uma rede de pedófilos vinculados ao PT”, afirma.
“Foi uma teoria da conspiração, uma notícia falsa que serviu como cortina de fumaça para ocultar os crimes reais contra as crianças indígenas”, disse Marcio Meira, ex-presidente da Funai. Quando uma criança Yanomami de doze anos morreu depois de ter sido estuprada por garimpeiros, Alves se limitou a dizer: ‘Acontece todo dia’”.
O diário da capital catalã aponta uma responsabilidade que remonta ao governo Temer.
“A terceirização da saúde indígena a esta ONG evangélica data de muito antes de Bolsonaro. Assinou contratos vultosos com o governo de Michel Temer com a intervenção do poderoso senador de Roraima Romero Jucá, presidente da Funai entre 1986 e 1988, quando permitiu a entrada de milhares de garimpeiros na reserva Yanomami, uma lembrança de que nenhuma atrocidade é nova na Amazônia brasileira”.
Por outro lado, o periódico catalão destaca o compromisso do governo atual. “O novo governo de Lula colocou a indígena Joenia Wapichawa, de Roraima, à frente da Funai e se comprometeu a acabar com a mineração ilegal na Amazônia”.
“Embora ninguém queira dar detalhes para não perder o fator surpresa, tudo indica que nas próximas semanas se realizará uma grande operação policial contra os mineradores que incluirá detenções de garimpeiros e a destruição de maquinário”.
“Enquanto se atua contra os garimpeiros, pretende cobrar responsabilidades em todos os níveis da administração pública. 43 diretores da Funai, muitos deles militares, foram destituídos”, relata.
Não é de hoje que o horror vivido pelos povos indígenas sob o governo Bolsonaro chama a atenção internacional. Há exatos dois anos, o DCM noticiava a repercussão das denúncias ao Tribunal Penal Internacional na mídia estrangeira. “No Brasil, indígenas pagam preço alto para existir”, dizia a TV franco-alemã ARTE.
Ninguém pode dizer que não sabia.