Mia Couto pede ao Brasil que “corresponda” ao “abraço” dado pelos africanos

Atualizado em 29 de agosto de 2023 às 11:47
Lula desembarca em São Tomé e Príncipe. (Foto: Reprodução)

Mia Couto, escritor moçambicano e um dos autores contemporâneos mais importantes da língua portuguesa, em entrevista ao Uol, comentou acerca da reaproximação do Brasil com os países do continente africano. O especialista constata a importância da retomada da agenda da diplomacia brasileira na África, mas também destaca a necessidade de que a nova fase diplomática seja marcada por uma maior sensibilidade em relação às expectativas da população local e projetos concretos. Confira trechos a seguir:

O que representou a ausência do Brasil do continente africano como prioridade política nos últimos anos?

A África nunca teve uma posição muito próxima ao Brasil, com exceção aos anos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, quando ele começou com projetos concretos. Evidentemente, isso ficou suspenso durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) e agora é uma grande alegria pensar que isso está sendo retomado.

Os africanos querem a comunhão com o Brasil e é preciso que o Brasil corresponda a esse abraço. Deste lado [africano], já está preparado a ser dado. Obviamente, isso não pode ser feito apenas de intenções ou dos afetos e da história. Precisa construir isso com algo mais concreto. Existiam projetos que estavam em andamento e que podem, agora, ser retomados para dar firmeza a esta irmandade.

(…)Nesta retomada do interesse da diplomacia brasileira pela África, quais erros do passado devam ser evitados?

Mia Couto. (Foto: Reprodução)

Na economia, o que vimos em Moçambique foi com base em recursos minerais e o início de uma tentativa de exploração do agronegócio, como a soja. Não correu muito bem. É preciso olhar com mais respeito para aquilo que são as sensibilidades locais, as questões sociais e ambientais. De que maneira as pessoas vão tirar proveito daquilo que estava sendo feito.

Às vezes, para os brasileiros, a África é um continente que eles acham que já conhecem. Isso é um erro do mundo inteiro.

Vou dar um exemplo. Certa vez, uma empresa fez uma pesquisa e perguntava para a população local qual era sua comunidade quilombola e seu grupo indígenas. Pelo amor de Deus. Em Moçambique, todos os povos são indígenas e ninguém sabia o que era quilombo.

A empresa contratou alguém para fazer estudos sociais, com receitas feitas. Esse arrogância precisa ser repensada. Precisa envolver as pessoas. A guerra no norte de Moçambique evidenciou que é preciso considerar que as pessoas precisam ter um sentimento de que elas têm algo a ganhar. Não se entrega simplesmente territórios ou se fazem concessões de coisas que vão dar rendimento em 40 anos. Num país jovem, é preciso responder de imediato.

Nesse retorno ao Brasil, sentiu uma mudança no clima político do país, depois dos anos de Bolsonaro?

Mudou muito, sim. Há um outro Brasil agora. Era o que se esperava. Agora, pensa-se sempre que vamos começar de novo, de uma forma idílica e que vamos fazer um novo Brasil. Mas o novo Brasil se faz sobre o velho. Ele é feito sobre aquilo que foi deixado como herança, como ruína.

Qualquer governo, por mais de esquerda que fosse, tinha de fazer concessões, negociar saídas, fazer compromissos.

Vejo uma frustração também em algumas pessoas que tinham uma certa utopia de que esperavam começar um Brasil completamente do zero. Mas isso é um sinal de que não está sendo entendido.(…)

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