Milei será derrubado pelos próprios eleitores se cumprir tudo que prometeu. Por Leonardo Sakamoto

Atualizado em 20 de novembro de 2023 às 13:28
Javier Milei, recém-eleito presidente da Argentina. (Foto: Reprodução)

Por Leonardo Sakamoto

Javier Milei foi eleito surfando o discurso da antipolítica em cima de uma Argentina cansada de inflação, juros altos e empobrecimento. Não é o primeiro nem será o último político extremista ungido por sua capacidade de se vender às massas como uma resposta de fora do sistema – por mais sistema que, de fato, sejam.

Ele se aproveitou da incompetência de atores que, durante décadas, não conseguiram dar soluções decentes às necessidades das classes baixa e média. Nesse sentido, é um tanto quanto sádico jogar a culpa por sua eleição em uma falta de visão política do eleitorado argentino. Pois foram as elites política e econômica que viram o cenário, mas deram uma banana.

Na reta final da campanha, o agora presidente eleito foi tão pressionado pelo seu adversário, o ministro da Economia Sergio Massa, por conta das loucuras que proferia que passou a negar, relativizar ou moderar uma série de suas promessas. Funcionou.

O naco de seus eleitores de extrema direita diz que isso foi uma “estratégia genial” de seu líder, mas que ele voltará a ser o mesmo Milei a partir de 10 de dezembro, quando assume a Casa Rosada. Já seus aliados, como os direitistas Mauricio Macri e Patricia Bullrich, e parte do poder econômico, creem que podem mantê-lo em um cabresto dado que precisa deles para ter maioria no Congresso.

O plano de colocar um cabresto em Bolsonaro não funcionou no Brasil, derrubando a arrogância da direita liberal. Mas sem o apoio de militares, de conservadores religiosos e do agronegócio, ou seja, sem base social sólida, Milei vai precisar ceder. Políticos se elegem atacando o sistema, mas não governam sob o mesmo argumento porque passam a ser vistos como gestores do sistema.

Vale, contudo, debruçar-se sobre o exemplo de Jair para entender o que espera o argentino. Tanto lá quanto aqui, uma parte significativa dos eleitores votou munido de desalento, não armado de esperança. Queriam alguém que mudasse o cenário.

No Brasil, com exceção dos radicais, os demais avaliavam que Jair era “exagerado”, mas não colocaria em prática muitas de suas bravatas. O mesmo se escuta e lê na Argentina, com eleitores mais moderados pró-Milei acreditando que exageros são apenas retórica de campanha. Compram apenas a parte das promessas de lei e mel correndo no meio fio das cidades e dizem que o resto é bobagem.

Por aqui, viu-se, quem diria, que o candidato de extrema direita ignorante e incompetente seria um presidente ignorante e incompetente. Mas o que derrotou Jair ao final dos quatro anos não foram os 700 mil mortos na pandemia ou seu comportamento abertamente golpista, mas sua incapacidade de melhorar a qualidade de vida dos mais pobres e da classe média.

As soluções propostas por Milei não indicam um milagre social ou mesmo estabilidade no curto e médio prazos. Vejamos a dolarização: mesmo que a Argentina tivesse moeda norte-americana o suficiente para tanto, e não tem, viria com tamanho caos no processo de implementação que colocaria em risco o seu próprio mandato – vale olhar de perto como no Equador, uma economia muito menor.

Que dirá garantir poder de compra e segurança econômica para a população.

E aqui reside o maior problema. Milei prometeu ao longo da campanha um monte de coisas de alto risco para a qualidade de vida dos mais pobres que dependem do poder público. Por exemplo, cortar subsídios a serviços públicos, como aquele que faz o preço da passagem do metrô de Buenos Aires custar 56 e não 1.100 pesos.

Também prometeu substituir a educação pública gratuita pela distribuição de vouchers para famílias pagarem a escola dos filhos. Se você acha isso familiar, é porque tem boa memória. O governo Bolsonaro tentou emplacar a mesma medida com creches e escolas, mas, por sorte das crianças e adolescentes brasileiros, não teve competência para tanto.

Milei despreza a ideia de Estado de bem-estar social, mas cortar recursos destinados a garantir um mínimo de qualidade de vida em uma Argentina que conta, historicamente, com melhor consciência social e capacidade de engajamento popular que o Brasil e sem maioria clara no parlamento, é suicídio político. Ainda mais durante uma crise.

Não podemos desprezar a força dos jovens apoiadores de Milei organizados pelas redes sociais, mas o processo político tradicional não está morto. Massa, que representava um governo de inflação galopante, chegou a 44% dos votos muito pelo medo dessas medidas prometidas pelo hoje eleito. A força de instituições como sindicatos e partidos é grande na Argentina, principalmente no peronismo. E eles gostam da rua mais do que nós.

Milei confessou tomar conselhos políticos com o espírito de seu falecido cachorro Conan através de médium que faz a conexão entre os vivos e falecidos de diversas espécies. Que o totó lembre a ele que uma parte significativa de seus eleitores negou o peronismo, mas não lhe deu carta branca para abater o que é visto como conquista social.

O ex-presidente Jair Bolsonaro. (Foto: Reprodução)

Bolsonaro xingou muito o Bolsa Família quando deputado federal. Por exemplo, em 2015, durante uma entrevista ao jornalista Carlos Julianos Barros, disse: “O cara tem três, quatro, cinco, dez filhos e é problema do Estado, cara. Ele já vai viver de Bolsa Família, não vai fazer nada. Não produz bem, nem serviço. Não produz nada. Não colabora com o PIB, não faz nada. Fez oito filhos, aqueles oito filhos vão ter que creche, escola, depois cota lá na frente. Para ser o que na sociedade? Para não ser nada”.

Anos depois, fez juras de amor ao programa, rebatizando-o para Auxílio Brasil, na tentativa de ganhar apoio dos mais pobres para a sua reeleição.

Milei terá sim que abraçar as políticas de bem-estar social que atacou duramente na campanha, mas que são defendidas por uma parte importante de seu próprio eleitorado. Pelo menos, se quiser terminar o mandato.

Publicado originalmente no Uol

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