O mundo paralelo criado pela Lava Jato. Por Kakay

Atualizado em 21 de outubro de 2021 às 9:12

Publicado no Último Segundo

Procuradores da Lava Jato
Deltan Dallagnol e seu time de procuradores da Lava Jato.
Foto: Divulgação

Por Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay

É quase impossível manter um diálogo aberto e proveitoso com certos grupos de pessoas. Dentro do Ministério Público, há um pequeno, mas poderoso núcleo que, apoiado pela grande mídia, fez da mentira e da falsidade as suas razões de existir e da mentira, norma e estratégia. Eles criaram um mundo paralelo e, sem nenhum pudor ou lealdade intelectual, navegam nesse universo enganando as pessoas de boa-fé. Usam e abusam da credibilidade da instituição, que, desde a Constituição de 1988, se tornou quase um Poder independente, para tentar impor na sociedade um projeto de poder antidemocrático, autoritário e cruel.

Esse núcleo, especialmente a chamada força-tarefa de Curitiba, é que deu vida e força ao atual governo Bolsonaro, gestado nos abusos da Operação Lava Jato. Uma operação que poderia ter tido uma importante contribuição no combate à corrupção, mas que, por interesses políticos, corrompeu o sistema de justiça e se perdeu.

É interessante observar o modo de governar do Presidente Bolsonaro para entender o que se passa nesse grupo do Ministério Público. O governo federal trabalha com uma realidade criada e alimentada por fake News , sem nenhum compromisso com o mundo real, no qual as pessoas estão desesperadas e se sentindo abandonadas com 20 milhões de brasileiros passando fome, 15% da população ativa desempregada e um preocupante e crescente aumento da inflação. Um caos!

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Esse foi o comportamento dos neofascistas no enfrentamento da pandemia, a maior crise sanitária da história. Vendaram os próprios olhos e usaram a venda para cegar parte da população que, incauta e criminosamente, seguiu rumo a um precipício que tragou mais de 600 mil brasileiros.

Foi como se um rebanho cego fosse guiado para um mundo negacionista, no qual a doença era uma ficção e nem mesmo a morte em massa das pessoas poderia tirar o torpor que anestesiou esses fanáticos.

A dor da perda, que hoje virou uma companheira inseparável de milhões de brasileiros, é real e não consegue conviver nesse mundo à parte, de ilusão e mentira. É como se milhares e milhares de pessoas estivessem andando pelas ruas se negando a admitir que morreram e sem querer partir, insepultos e perplexos com a tragédia que se abateu sobre o país. E o governo federal continua a se portar como se a realidade fosse o mundo que ele criou para não enxergar o caos.

Esse é o caldo de cultura que alimenta os que não têm nenhum compromisso com a ética e que não conseguem ver o outro com um olhar solidário nem tentam enxergar a vida nua e crua como ela é. Nos espaços fictícios, os debates tendem a ser objeto de profunda manipulação. Esse grupelho que instrumentalizou o Ministério Público se especializou em apoderar-se de narrativas falsas como instrumento de poder.

Foi assim no caso das tais 10 medidas contra a corrupção, que nada tinham de combate à corrupção. Usaram o prestígio junto à mídia e de parte da população para conseguir 2 milhões de assinaturas de apoio, sendo que, seguramente, sequer 0,001 % das pessoas tinham lido o que assinaram. Foram derrotados fragorosamente quando tiveram que enfrentar o debate aberto e leal.

E o discurso hipócrita e falso dos procuradores foi definitivamente desmascarado quando eles começaram a ser investigados por inúmeros abusos. Boa parte do que pregavam de maneira messiânica, como a diminuição do escopo do habeas corpus e a admissão do uso da prova ilícita, passou a ser a tábua de salvação para eles tentarem escapar da justiça que se anunciava. Mas o modo de agir continua igual em algumas circunstâncias. Usam a mesma narrativa de se venderem como salvadores da pátria e guardiões da moralidade. Só que, agora, estão expostos como farsantes tal e qual o governo a que eles deram sustentação. Mas a empáfia continua como marca.

A nova investida é tentar convencer que eles, como seres superiores e ungidos por Deus, não devem ter nenhum tipo de controle. Uma PEC, em boa hora apresentada pelo sério e competente deputado Paulo Teixeira, é o alvo da surrada narrativa que foi usada nas “medidas contra a corrupção”. Eles são os donos da verdade e quem ousar discordar é taxado de apoiador da corrupção e de contrário à democracia. Na verdade, o que eles querem é manter os privilégios de usurpadores da realidade para voltar a um mundo que só servia aos interesses mesquinhos deles.

Novamente, vão ter que enfrentar o debate no qual a verdade vai, mais uma vez, derrotá-los. Vão descer do pedestal que conseguiram criar por anos e que ajudou a afundar o Brasil nessa tragédia institucional. As nossas armas continuarão sendo a Constituição e o sonho que nos move de um país mais igual, mais justo e mais solidário.

Tudo me remete ao genial Augusto dos Anjos, em seu poema Versos íntimos:

“ Toma um fósforo.
Acende seu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro.

A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija.