Não escondam de novo o que precisamos saber sobre a fábrica de dossiês da Abin. Por Moisés Mendes

Atualizado em 28 de maio de 2023 às 8:06
Fachada da Abin. Foto: Antonio Cruz

Publicado originalmente no Blog do Moisés Mendes

O governo brasileiro tem a obrigação de fazer com os desmandos da Abin o que foi feito no início do governo de Alberto Fernández, na Argentina, com os crimes da Agência Federal de Inteligência.

A perseguição da AFI, a Abin deles, que monitorava, grampeava e mandava ameaçar políticos, dirigentes sindicais, jornalistas, religiosos, líderes comunitários e gente considerada inimiga do fascismo, foi admitida e tornada pública.

Governo, Ministério Público e Congresso se articularam no esforço para identificar os crimes e os criminosos, que agiam durante o governo de Mauricio Macri com a comprovada cobertura do gabinete do presidente da República.

Aqui, o que se sabe é o que sempre foi divulgado de forma genérica sobre ações clandestinas de monitoramento e grampo de inimigos do bolsonarismo.

São crimes com ou sem o uso da plataforma de arapongagem israelense Augury, que permite o rastreamento de pessoas e de seus acessos na internet a partir da captura de dados de tráfego armazenados principalmente nos celulares.

Mas nada mais se falou das espionagens, nem quando Lula decidiu transferir a gestão do Gabinete de Segurança Institucional dos militares para a Casa Civil.

A tentativa de sabotagem feita pelas bancadas de direita e extrema direita da Câmara, para que o GSI seja devolvido aos fardados, se for completada, pode fazer com que a Abin, ainda com destino incerto, siga o mesmo caminho.

Se isso acontecer e a Casa Civil perder o controle da área de inteligência, podemos perder também a chance de saber quem os arapongas seguiam e grampeavam e como eram produzidos dossiês contra inimigos e amigos do bolsonarismo.

Não é preciso explicar por que os dossiês eram feitos contra os inimigos. Mas ainda precisa ser melhor compreendido por que a Abin produzia relatórios comprometedores da vida de empresários aliados de Bolsonaro.

Por que a Abin, com mandaletes agindo de forma clandestina ou oficialmente, fuçou na vida de empresários que os arapongas disseram estar envolvidos em todo tipo de crime financeiro, se os criminosos presumidos alvos dos dossiês eram da copa e da cozinha de Bolsonaro?

A hipótese que se apresenta como a mais elementar é essa: manter os aliados, geralmente endinheirados, sob pressão e ameaça de chantagem.

Os dossiês contra empresários que cortejavam o poder e dele usufruíam tinham o objetivo de manter os bajuladores sob controle.

Os investigados estavam expostos à possibilidade de extorsão, talvez não por servidores da agência, mas pelos que encomendavam os serviços.

A Abin negou a produção dos dossiês, porque um espião não passa recibo, ou não seria um araponga legítimo.

Mas na Argentina o governo, com intervenção pesada na AFI, e mais o Congresso e o MP chegaram às engrenagens e às provas dos crimes.

Delatores de dentro do esquema indicaram chefes e colegas e contaram como se dava a articulação com assessores de Macri na Casa Rosada.

A Abin sob o comando de Lula, mesmo que volte ao controle de militares, deve aos brasileiros esclarecimentos sobre as ações ilegais, em nome da transparência, do compromisso com a verdade e do respeito com os que tiveram a vida devassada.

Deve ser do interesse da Abin, e mais ainda dos seus servidores, que estruturas oficiais ou paralelas, usadas para espionar inimigos e coagir amigos, sejam agora abertas e expostas.

Deixar que tudo fique assim mesmo, para evitar conflitos com os militares, seria um desrespeito com as vítimas dos arapongas e com a memória do país.

Governos que se sucedem sempre tentaram esconder os bandidos que atuavam dentro do Estado, principalmente os que usavam farda.

É constrangedor imaginar-se que os desmandos da Abin também serão protegidos de novo pelos panos quentes de plantão.

Na Argentina, ficou provado que o esquema de perseguição a kirchneristas e aos que eram considerados de esquerda tinha o comando de Gustavo Arribas, ex-diretor-geral da AFI.

Os grupos que participavam da estrutura, em várias frentes, atuavam sob as ordens da cúpula da inteligência.

Era o que também acontecia no Brasil? Precisamos e merecemos saber.

O argentino Gustavo Arribas, diretor-geral da Agência Federal de Inteligência (AFI). Foto: Soledad Aznarez/La Nacion/GDA
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