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Niemeyer precisa pendurar a prancheta

Aos 104 anos, ele continua lúcido e produtivo. Mas está na hora de se aposentar

Ele

Por qualquer ângulo que se olhe, Oscar Niemeyer é um fenômeno. Aos 104 anos, ele está lúcido. Recuperava-se de uma internação. Tem uma obra encomendada no Marrocos. Outro dia, conheci um de seus projetos mais recentes, a Cidade Administrativa de Minas Gerais, complexo de seis edificações que abriga a sede do governo, secretarias, auditório, praças de alimentação e um centro de convivência (seja lá o que isso quer dizer).

Custou 948 milhões de reais e fica na divisa de Belo Horizonte com Vespasiano e Santa Luzia. Estão lá as marcas do arquiteto: as curvas, os vãos livres… e, claro, a aridez de três desertos, aquela orgia de concreto que fez a sua fama (um dos prédios tem um estranho formato de ferro de passar roupa, mas deixemos isso para lá). Desalojou a antiga sede do governo, no centro de Belo Horizonte, o que provavelmente acarretará um abandono progressivo daquela área. Os funcionários precisam se deslocar de carro até o trabalho.

A pergunta que não quer calar: por que Minas e o Brasil precisam de mais uma obra monumental de Oscar Niemeyer? E, mais uma vez, algo absolutamente identificado não com a cidade ou o Estado, mas com o próprio arquiteto?

Não se discute, aqui, seu talento. Talvez ele seja um gênio (eu acho Brasília uma ode ao cimento, impessoal e triste, com suas superquadras de inspiração soviética, mas enfim). O fato é que Niemeyer não deixa as cidades mais bonitas. Seus projetos não revitalizam áreas degradadas, não tornam os bairros mais respiráveis, não melhoram o entorno. Eles são feitos para carros e não pessoas. Nos anos 50 e 60, quando se achava que os automóveis iriam salvar o mundo e o progresso do mundo, isso fazia sentido. Hoje, não. Muito pelo contrário.

São Paulo tem um dos maiores símbolos de seu legado. É o Memorial da América Latina, um delírio megalomaníaco encomendado por Orestes Quércia, então governador. Passear no pátio é garantia de insolação. Nem uma árvore, nem uma sombra. Novamente, cimento, concreto e dureza.

Quem sabe o Brasil produza outro arquiteto de grandes obras públicas. De preferência, alguém que acredite ser possível embelezar uma cidade. Até lá, vamos torcer pela recuperação plena de Niemeyer e que ele viva mais 104 anos. Se possível, longe da prancheta.

Kiko Nogueira

Diretor do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.

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Kiko Nogueira

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