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O Afeganistão e o Vietnã

Um fotógrafo do exército americano tirou fotos como esta, em 1968. Logo em seguida, todas essas pessoas seriam fuziladas

 

Em março de 1968, soldados americanos mataram entre 347 e 504 civis desarmados numa aldeia do Vietnã chamada My Lai. Crianças, mulheres e velhos eram a maioria. Bebês também foram mortos. Muitos corpos foram mutilados. Garotas foram estupradas antes de ser fuziladas. Foram quatro horas de chacina, cometidas por 121 integrantes de uma tropa conhecida como “Charlie”. Era um sábado de manhã, e os soldados chegaram a bordo de helicópteros.

O episódio entrou para a história como “O Massacre de My Lai”. Os pormenores só começaram a ser conhecidos meses depois. Inicialmente, os soldados receberam cumprimentos do general que comandava as forças americanas no Vietnã por seu “feito espetacular”. Durante praticamente um ano, a imprensa americana destacou as baixas impostas aos inimigos.

Quando os detalhes vieram à luz, a opinião pública americana se virou decisivamente contra a guerra. Pouco depois, os Estados Unidos foram embora do Vietnã. Tão profunda foi a marca do massacre que o presidente Lyndon Johnson acabaria desistindo de concorrer à reeleição.

Vinte e seis soldados foram inicialmente investigados nos Estados Unidos. Apenas um foi condenado. Ele cumpriu três anos e meio de prisão domiciliar. Foi libertado por ordem do presidente Richard Nixon.

O Massacre de My Lai tem sido lembrado muito nos últimos dias, mais de 40 anos mais tarde, depois que um soldado americano matou 16 civis no Afeganistão. (No pé deste artigo, você pode ver um trecho de um aclamado documentário sobre o caso.)

A tragédia afegã vai mobilizar a opinião pública americana? É possível. Uma pesquisa recente do jornal Washington Post mostrou que 60% dos americanos acham que já não faz sentido a presença dos Estados Unidos no Afeganistão.

São circunstâncias diferentes, é verdade. No Vietnã, o exército americano era composto essencialmente de jovens compulsoriamente recrutados. Agora, são profissionais.

Mas a essência é a mesma: a obstinação dos americanos em permanecer numa terra em que são amplamente abominados. Como ter sucesso militar numa circunstância dessas? “Temo que nossa missão no Afeganistão, francamente, seja irrealizável”, disse há poucos dias Newt Gringrich, candidato à vaga republicana nas eleições presidenciais.

Que missão é essa?

Impedir que o Afeganistão produza e exporte homens-bomba é a resposta mais provável. Se é isso, a melhor coisa que os americanos podem fazer é deixar o quanto antes o Afeganistão. É do ódio gerado pela presença dos Estados Unidos entre os afegãos que surgem extremistas. Bin Laden foi o maior exemplo disso.

Os americanos fariam um bem a si próprios, e à paz no mundo, se recolhessem suas tropas do Afeganistão e de outras partes em que, como é tão comum, provocam repulsão — e, com ela, fanáticos que explodirão convictamente a si próprios para matar os invasores.

Paulo Nogueira

O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

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