O amor em tempo de lawfare: Assange, do WikiLeaks, teve 2 filhos enquanto esteve asilado. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 12 de abril de 2020 às 14:04
Julian Assange com Gabriel, seu filho. Foto: Stella Morris

Um segredo sobre Julian Assange, guardado a sete chaves, foi revelado ontem, através de um vídeo gravado por Juan Luis Passarelli, repórter cinematográfico que conhece Assange já há alguns anos.

O fundador do WikiLeaks teve dois filhos com a advogada Stella Morris enquanto esteve asilado na Embaixada do Equador em Londres, protegido da ameaça de extradição por um processo aberto nos Estados Unidos por espionagem.

Stella Morris, que nasceu na África do Sul e morou na Suécia antes de se mudar e estudar na Inglaterra, falou pela primeira vez sobre seu relacionamento com Assange e as crianças, Gabriel, de três anos, e Max, de um.

Stella Morris, que tem 37 anos de idade, 11 a menos que Assange, decidiu revelar esses fatos por temer que a vida de Assange esteja em perigo se ele permanecer na prisão de segurança máxima de Belmarsh, onde um preso já morreu infectado pelo Covid-19.

É que, tendo filhos britânicos, Assange conta com vantagem legal para reivindicar prisão domiciliar, pelo menos enquanto durar a pandemia. Mas, como observa a advogada Sara Vivacqua, brasileira que mora em Londres, o processo de Assange é político, não jurídico.

“Se a razão fosse jurídica, ele já estaria em prisão domiciliar”, disse. Assange foi preso na Inglaterra por ter sido condenado por violação da fiança, um crime que obviamente não é grave. Mas é tratado como se fosse um serial killer.

Os Estados Unidos o caçam desde que o WikiLeaks divulgou documentos e vídeos vazados pelo ex-analista de inteligência Chelsea Manning (na época, antes de se tornar mulher trans, era conhecido Bradley).

O governo americano diz que o vazamento colocou em risco a vida dos agentes americanos e suas fontes. Se considerado culpado, ele poderá pegar 175 anos de prisão.

Um dos vazamentos é o vídeo que mostra o assassinato de inocentes no Iraque por militares norte-americanos, em um ataque com míssel.

Na Suécia, ao mesmo tempo, ele foi acusado de crime sexual, acusação já retirada, e por conta disso teve a extradição solicitada.

Enquanto se defendia da extradição pedida pela Justiça sueca, se manteve em Londres em liberdade mediante fiança.

Porém, se suspeitava que a extradição para a Suécia fosse apenas uma estratégia para levá-lo aos Estados Unidos, já que não há acordo do governo americano com o inglês para extradição automática.

Foi nesse período que Rafael Correa, então presidente do Equador, concordou com o pedido de asilo para Assange, e ele então se refugiu na embaixada na Inglaterra.

Ali permaneceu por sete anos, até que o sucessor de Correa, Lenin Moreno,  em abril do ano passado, revogasse o asilo, contrariando o direito internacional, e Assange fosse retirado à força da Embaixada do Equador.

A revogação do asilo foi decidida depois de um acordo de empréstimo do FMI e bancos norte-americanos para o país sul-americano.

O que sustenta a prisão de Assange em Londres é, portanto, um crime sem gravidade.

Stella conheceu Assange em 2010, apresentada por uma amiga comum em um clube de jornalistas independentes, o Frontline.

A partir daí, fluente em sueco e também conhecedora do direito no país em que viveu boa parte de sua vida, ela passou a integrar a equipe de defesa internacional coordenada pelo ex-juiz espanhol Baltasar Garzón.

Stella integrou o círculo mais próximo de Assange na embaixada e mudou oficialmente seu nome de Sara Gonzalez Devant para Stella Morris, para que pudesse manter a privacidade enquanto pesquisava e redigia documentos legais para o WikiLeaks.

Stella esteve na embaixada quase diariamente por anos, até que, em 2015, Assange e ela começaram um relacionamento.

Julian Assange com Stella Morris. Foto: Joseph Farrell

“Meu relacionamento íntimo com Julian é o oposto de como ele é retratado – é uma relação de respeito um pelo outro, onde ele sempre tentou nos proteger dos pesadelos que cercaram nossas vidas juntos”, diz.

A decisão de constituir uma família, segundo Stella, foi um ato de rebeldia e de reafirmação da vida, dentro do terror ao qual são submetidos há anos. 

Ela decidiu vir a público para fazer um apelo, o de que Assange seja libertado dentro do programa do governo britânico de libertar milhares de prisioneiros para conter o surto do Covid-19 nas prisões. 

Stella diz que Assange é duplamente vulnerável porque sofre de uma condição pulmonar crônica, exacerbada por seus anos dentro da embaixada, e por ter problemas de saúde mental que se tornam mais graves como resultado do isolamento. 

Ela disse: ‘Eu amo Julian profundamente.  Nos últimos cinco anos, descobri que o amor faz com que as circunstâncias mais intoleráveis ​​pareçam suportáveis, mas isso é diferente: agora estou com pavor de não vê-lo vivo novamente.”

Afirmou também no vídeo gravado por Juan Luis Passarelli:

“Julian tem sido ferozmente protetor comigo e fez o possível para me proteger dos pesadelos de sua vida.  Eu vivi em silêncio e em particular, criando Gabriel e Max por conta própria e ansiando pelo dia em que pudéssemos ficar juntos como uma família.  Agora tenho que falar, porque posso ver que a vida dele está à beira do abismo.  A má saúde física de Julian o coloca em sério risco, como muitas outras pessoas vulneráveis, e não acredito que ele sobreviverá à infecção por coronavírus.

Mentalmente, também não acho que ele sobreviverá a um isolamento ainda maior.”

Segundo ela, Assange permanece 23 horas e meia por dia sozinho em uma cela e, por conta da pandemia, não recebe visita da família nem conta com ajuda psiquiátrica de que precisa.

Os trechos a seguir foram publicado pelo Daily Mail:

Stella Morris teve uma educação internacional — sua mãe é diretora de teatro e pai, urbanista.

A família passou um tempo na Suécia, o que significa que ela é uma falante sueca fluente, capaz de ajudar a defender Assange contra as alegações, que foram rescindidas no ano passado.

Ela também é fluente em espanhol, uma habilidade que se tornaria igualmente crítica quando Assange pedisse asilo em uma embaixada da América do Sul no ano seguinte.

Ela é formada em direito e política pela prestigiada Escola de Estudos Orientais e Africanos de Londres e cursou o mestrado em Oxford, onde estudou bastante.

Ela se tornou membro do círculo interno de Assange na embaixada, mudando oficialmente seu nome de Sara Gonzalez Devant para Stella Morris para que ela pudesse manter um perfil mais baixo enquanto pesquisava e redigia documentos legais para o WikiLeaks.

Ela disse: ‘No começo era uma relação de trabalho. Eu estava na embaixada todos os dias e Julian se tornou um amigo”. 

“Ao longo dos anos, ele deixou de ser uma pessoa que eu gostava de ver, e passou a ser o homem que eu mais queria ver no mundo.

“A imagem pública dele não é pelo que me apaixonei, é a pessoa real por trás disso.”

‘Ele é um parceiro generoso, terno e amoroso. Nosso relacionamento começou no início de 2015.”

“Apesar de toda a atenção do público, conseguimos criar um espaço para uma vida privada e, por ser sério para nós dois, começamos a olhar para o futuro juntos depois da embaixada.”

“Ele me pediu em casamento em 2017 e eu escolhi um anel de diamante, que eu mostrei on-line, que ambos amamos. Até esperávamos encontrar uma maneira de nos casar na embaixada.”

“Queríamos uma família e lamentamos a impossibilidade de ter um bebê, dada a nossa situação. Pareceu uma tragédia para nós.”

“Conversamos sobre isso várias vezes e, em seguida, Julian disse: “As pessoas tomam decisões difíceis em situações difíceis e nós vamos conseguir”.

“A melhor maneira de descrever é dizendo que era como estar em uma zona de guerra e que, nas guerras, as pessoas podem e se apaixonam apesar de tudo.”

‘Estar apaixonado, ficar noivo, ter filhos enquanto ele estava na embaixada, foi um ato de rebelião. Além disso, na época em que começamos a tentar um bebê, parecia que a vida estava prestes a mudar para melhor para Julian. As Nações Unidas o apoiavam, pensávamos que ele não seria processado pelos americanos, e seria apenas uma questão de tempo até que ele estivesse livre.”

“Poderíamos ver um futuro em que seríamos uma família comum.”

Tanto Assange quanto a Senhorita Morris ficaram muito felizes ao descobrir que estava grávida, mas ela passou apenas pelo pré-natal.

“Foi solitário, desafiador”, ela admite, acrescentando que contrabandeava imagens por ultrassonografia) de seu filho ainda não nascido para a embaixada para compartilhar com Assange.

Ela deu à luz em um hospital de Londres e levou Gabriel para conhecer seu pai quando ele tinha apenas uma semana de idade.

“Ver Julian segurando seu filho fez desaparecer toda a loucura de sua existência”, diz ela.

‘Julian criou seu filho mais velho, principalmente por conta própria, desde quando ele era criança até a idade adulta, então seu modo padrão como pai é prático.” (Assange tem um filho de nome Daniel, nascido quando ele tinha 18 anos de idade).

“Ele é caloroso, descontraído e, acima de tudo, orgulhoso. Nossos meninos são crianças felizes, adoram ver o rosto do pai e ouvir a voz dele.”

Morris temia que as agências de segurança americanas que espionam Assange suspeitassem de sua gravidez e do bebê recém-nascido.

Ela tentou disfarçar sua barriga com roupas esvoaçantes e, quando Gabriel nasceu, ele foi carregado para dentro e para fora da embaixada nos braços de um amigo que passou como se a criança fosse sua.

Morris sempre se preocupava em chegar antes ou depois do filho.

Em janeiro de 2018, um guarda que trabalhava para a empresa de segurança espanhola que administrava a embaixada a alertou sobre uma conspiração para roubar uma das fraldas de Gabriel para garantir seu DNA e testar sua paternidade.

“Por dor na consciência, ele decidiu me dizer que havia sido convidado a fazer”, diz a Senhorita Morris.

“Ele recebeu instruções para me seguir do lado de fora da embaixada e roubar lá dentro a fralda de nosso bebê para que eles pudessem analisar o DNA.

Ele me avisou para não trazer o bebê para a embaixada novamente.

“Eu estava enojada. Eu sabia que havia espionagem, mas isso parecia cruel, como se não houvesse limites.”

“Não foi apenas uma invasão da privacidade de Gabriel, me fez pensar que ele não estava seguro”

“É difícil falar sobre isso sem parecer uma trama insana, mas essa é a realidade do mundo de Julian. Pode ser um lugar sinistro.”

Apesar das preocupações, o casal decidiu ter um segundo filho.

Morris engravidou de Max, mas, à medida que a gravidez progredia, um novo governo equatoriano tornou-se hostil a Assange, proibindo visitantes e restringindo seu acesso telefônico e on-line.”

Ela não pôde vê-lo de novembro de 2018 até a chegada de Max em fevereiro do ano passado.

Assange não conheceu seu filho mais novo até maio, quando a Senhorita Morris foi autorizada a entrar em Belmarsh com os dois meninos.

Stella Morris com Max no colo e Gabriel. Foto: Juan Luis Passarelli

Naquela época, imagens íntimas do nascimento de Max, filmadas em uma câmera GoPro por um amigo, haviam sido apreendidas pelos EUA junto com os documentos legais de Assange de seus aposentos na embaixada.

“A primeira vez que Julian viu Max, ele era mantido em isolamento e sua saúde mental já estava debilitada”, diz ela.

“Mas quando Max cochilou nos braços do pai, houve um pequeno vislumbre de normalidade para todos nós.”

“Mesmo assim, ver Julian na prisão é muito chocante e meu coração afunda por ter que levar meus pequenos para visitar o pai deles lá”

“Não é algo que eu imaginei quando começamos nossa família. Não me arrependo de nada, mas quero que meus filhos tenham o pai de volta.”

Atualmente, Senhorita Morris vive com uma família ampliada em Londres.

Ela está sendo apoiada pela mãe e pelo pai de Assange, Christine Assange e John Shipton, que estão encantados com seus novos netos.

A senhora Assange os descreveu como “trazendo alegria e luz para as nossas horas mais sombrias”.

As madrinhas dos meninos também estão ajudando.

A rapper M.I.A. indicada ao Oscar e ao Grammy é madrinha de Gabriel, enquanto a ex-atriz Tracy Ward, agora a ativista aristocrata Tracy Somerset, duquesa de Beaufort, é de Max.

Atualmente, Senhorita Morris, como todos os membros da família de prisioneiros, está proibida de visitar Assange por causa do Covid-19.

Ela está preocupada por Assange também não poder ver sua equipe jurídica ou se preparar para sua audiência de extradição no próximo mês.

“Há muito tempo, temo perder Julian por suicídio, se não houver como ele parar sua extradição para os EUA”, diz ela.

“Agora, receio que possa perdê-lo por diferentes razões, e mais cedo, para o vírus. Ele não tem voz no momento, mas eu tenho. É por isso que estou usando.

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Veja o vídeo com o depoimento de Stella Morris: