O beijo de Sheik versus o beijo de Nelson Rodrigues

Atualizado em 20 de agosto de 2013 às 12:43

Beijos entre homens costumam ser marcantes.

O beijo de Sheik
O beijo de Sheik

O polêmico beijo de Sheik me remeteu, imediatamente, a uma obra prima da dramaturgia nacional.

“Beijo no Asfalto”, de Nelson Rodrigues, trata exatamente disso – de um beijo entre homens.

Um bom e ingênuo samaritano presencia um atropelamento. Vai socorrer a vítima, um homem moribundo que lhe pede um beijo e é piedosamente atendido.

A vida do bom cidadão vira um inferno.

Um jornalista policial vê, no caso, a chance de vender muito jornal. Ele arrasta um delegado de polícia canalha para uma armação segundo a qual os dois homens do beijo fortuito eram, na verdade, amantes.

Mais para a frente, o pobre homem é acusado de assassinato, num “crime passional”.

Já era assim a imprensa, pela visão mordaz de Nelson Rodrigues.

“Não foi o primeiro beijo”, anuncia o jornal.

Não vou contar o final, e recomendo a todos que leiam a peça – em que as frases maravilhosas de Nelson Rodrigues são, propositadamente, truncadas.

A campanha desonesta do jornal se apoia na homofobia, algo que ainda vigora amplamente entre os brasileiros. Tratei disso ontem no texto sobre a maneira como Reinaldo Azevedo e seus leitores se referiram ao casal Glen Greenwald e David Miranda.

Sheik não terá, obviamente, o destino trágico do personagem de Nelson Rodrigues.

Mas, para o bem e para o mal, ficará marcado. Torcedores homofóbicos vão persegui-lo a cada jogada perdida.

Pessoas como os seguidores de Malafaia, Feliciano e Azevedo vão condená-lo pela ‘sem-vergonhice’.

Mas tenho para mim que, mesmo brincando, mesmo involuntariamente, Sheik contribuiu para a causa gay.

Por isso, merece aplausos.

De pé.

Clap, clap, clap.