O desespero dos bolsonaristas na CPMI do 8 de janeiro. Por Miguel do Rosário

Atualizado em 2 de agosto de 2023 às 10:24
Saulo da Cunha (E) e o presidente da comissão, Arthur Oliveira Maia. Crédito: Roque de Sá/Agência Senado Fonte: Agência Câmara de Notícias

A CPMI do 8 de janeiro retomou os trabalhos nesta terça-feira (1 de agosto) com um esforço desesperado, por parte dos bolsonaristas, de assumir o controle da narrativa. O que lembrou uma frase de Kierkegaard: “A forma mais profunda de desespero é escolher ser outro que não você mesmo”.

Alguns parlamentares do núcleo duro da extrema-direita, entre eles Alexandre Ramagem, ex-diretor geral da Agência Brasileira de Inteligência, conseguiram trazer um outro ex-diretor da mesma Abin, Saulo Moura da Cunha, num esforço patético, desesperado, de emplacar a narrativa de que o 8 de janeiro foi culpa de Lula.

Foi um jogo combinado. Como Saulo Moura foi diretor da Abin até março deste ano, e portanto exercia o cargo na data dos ataques às sedes do três poderes, então ele naturalmente também é um dos responsáveis pelo fracasso generalizado da inteligência estatal em prever e prevenir o que aconteceu.

Ninguém jamais negou, a propósito, que o 8 de janeiro também foi um retumbante fiasco de todos os órgão de segurança e inteligência do país.

Entretanto, o ponto não é esse.

O que os bolsonaristas tem realmente muita dificuldade para visualizar é que, por mais que a CIA – o maior órgão de inteligência do mundo – tenha falhado na prevenção aos ataques terroristas no 11 de setembro, a culpa deles é apenas administrativa. Conspirações à parte, a responsabilidade pelos ataques terroristas é naturalmente dos… terroristas.

A mesma coisa vale para o 8 de janeiro. É claro que houve falhas. Mas um pouco de bom senso é sempre útil para evitar o ridículo.

Num evento deste tipo, há três tipos de culpado. Os culpados políticos, os culpados operacionais, e os culpados morais.

A culpa política às vezes é ambígua. Por exemplo, alguém poderia alegar que o grande culpado político pelo 11 de setembro foram os próprios EUA, que financiaram, por muitos anos, Bin Laden e seus mercenários no Afeganistão, quando estes eram seus aliados na luta contra a União Soviética.

Não há ambiguidade, porém, na atribuição da culpa operacional a Al Qaeda pelos ataques. E a culpa moral também recai sobre os terroristas, porque ninguém civilizado poderia admitir como razoável uma ação que matou milhares de inocentes.

No caso do 8 de janeiro, não há ambiguidade em nada. Os culpados políticos, operacionais e morais são os mesmos: Bolsonaro e seus liderados, os bolsonaristas.

“Ah, mas ex-diretor da Abin afirmou que houve alertas de possibilidade de invasão dos três poderes.”

Esse é o raciocínio, ridículo, que os bolsonaristas tentam sempre arrancar de algum ex-membro da Abin ou do GSI. E não faz sentido por todos os ângulos em que é analisado. Vamos a eles.

Em primeiro lugar, alerta não quiser dizer muita coisa. Mandar um zap mencionando a possibilidade de alguma ação antidemocrática na capital ou informar que “estão chegando mais ônibus que o normal” não é um alerta sério. O fato é que nem a Abin, nem o GSI, nem nenhum órgão de inteligência, deu um alerta realmente consistente sobre os perigos de uma invasão.

Os bolsonaristas fingem demência. O Brasil vivia, desde que a vitória de Lula no segundo turno foi anunciada, em constante estado de ameaça antidemocrática. Ou eles esqueceram dos bloqueios de estradas, dos acampamentos em quarteis pedindo intervenção militar, da noite de horror em Brasília, em 12 de dezembro de 2022, enfim, de inúmeros casos de violência e extremismo que o país experimentou, desde que o então presidente da república, Jair Messias Bolsonaro, se recusou a reconhecer publicamente a sua derrota e a vitória de seu adversário?

Jair Bolsonaro com cara de choro
Ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) – Reprodução

O responsável político pelo 8 de janeiro é, sem sombra de dúvidas, o ex-presidente Bolsonaro, que cultivou, por mais de dois anos, suspeitas contra o processo eleitoral do país, ou seja, atacando o maior patrimônio de uma democracia, que é a confiança dos cidadãos em suas instituições. Desde o início de 2020, Bolsonaro falava em fraudes nas urnas. E o seu silêncio após a abertura das urnas foi cúmplice, covarde e criminoso. Além disso, de onde vinham os ataques ao STF? Não vinham do próprio presidente e de seu entorno? Quem os bolsonaristas pensam que enganam?

Do lado operacional, houve até um esforço realmente patético, e totalmente desesperado, por parte de bolsonaristas, em emplacar a mentira de que os invasores dos três poderes eram “petistas”. Essa fake news não colou, obviamente, porque todos viram que os líderes dos ataques eram bolsonaristas de quatro costados, frequentadores de gabinetes ministeriais do governo bolsonaro, com redes sociais repletas de fotos com Bolsonaro. O próprio Bolsonaro não disse há pouco, num encontro do PL, que esperava manifestações populares em defesa dos terroristas presos no 8 de janeiro?

Por fim, do lado moral, o culpado também é Bolsonaro. Foi ele que mentiu sobre as urnas eletrônicas. Os bolsonaristas esqueceram do momento mais patético da vida política brasileira, que foi a reunião pública de Bolsonaro com embaixadores, durante a qual ele atacou o seu próprio país, com mentiras odiosas contra nosso sistema eleitoral?

Quanto ao papel do GSI, da ABIN e mesmo da Guarda Presidencial, também há um teatro ridículo por parte de todos esses amiguinhos dos terroristas que participam da CPMI.

Se houve negligência por parte desses órgãos, isso também é culpa do bolsonarismo, visto que, no 8 de janeiro, a maioria de seus integrantes tinha sido nomeada pelo governo anterior. A infiltração bolsonarista no GSI já está provada.

Entretanto, esse problema de bolsonarista infiltrado no GSI e Abin nem teria sido um problema maior, porque a segurança da Esplanada dos Ministérios, onde ficam a sede dos três poderes, é responsabilidade do governo do Distrito Federal. E recebe dinheiro para isso. Depois do 8 de janeiro, ficamos sabendo que o governo do DF havia recebido, apenas em 2022, R$ 8,7 bilhões apenas para a segurança da capital federal e da Praça dos Três Poderes. No total, que inclui outros itens além da segurança, a União repassou R$ 16 bilhões para o governo do Distrito Federal em 2022, 53% dos quais exclusivamente para a segurança.

Para se ter uma ideia do que significa esses quase 9 bilhões que a União deu para o governo DF usar em segurança, lembremos que o orçamento previsto para 2023 para a saúde na cidade do Rio de Janeiro é de R$ 7 bilhões.

Os bolsonaristas da CPMI do 8 de janeiro entraram, por conta própria, numa areia movediça, e quanto mais se agitam, desesperados, mais se afundam. Ainda conseguem resistir um pouco porque a máquina de mentiras que eles montaram nos últimos anos é realmente impressionante. Mas é ótimo que estejam gastando essa máquina numa batalha narrativa que eles simplesmente já perderam.

E não apenas perderam, como parecem estar buscando a humilhação.

Originalmente publicado em O Cafézinho

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