O espanto com Moro é a derrota do jornalismo. Por Tiago Barbosa

Atualizado em 1 de novembro de 2018 às 21:35
Sérgio Moro (Foto: EBC)

A surpresa midiática com a decisão de Sérgio Moro de aceitar a recompensa por eleger Bolsonaro é reveladora da metástase do jornalismo hegemônico brasileiro.

É a confissão de cumplicidade e incompetência diante do dever de fiscalizar os atos do juiz e reportar tanto a conduta politica como as arbitrariedades cometidas no curso da Lava Jato.

E nem foram poucas nem discretas.

Moro seguiu o script traçado desde o início da operação para derrubar o PT e encarcerar Lula.

Concentrou a investigação no partido, usou e abusou de vazamentos para influenciar a opinião pública, grampeou ilegalmente a presidenta e levou o ex-presidente a depor sob vara.

Eram nítidas as ações parciais, seletivas e articuladas com objetivo de produzir fatos políticos.

Afetados diretamente – embora conduzidos por uma tibieza suicida chamada de republicanismo -, políticos petistas sempre acusaram o juiz de perseguir a sigla.

E tinham razão. Simples buscas por ano no Google permitem constatar como, desde 2014, receava-se o plano de cassar Dilma, prender Lula e entregar as urnas para a direita.

A mídia independente percebeu as manobras sob o verniz jurídico e, junto a veículos internacionais, denunciou a patranha.

Mas a imprensa hegemônica calou-se. Pior. Marchou, vergonhosamente, para desqualificar qualquer desconfiança sobre a conduta de Moro e tratou como ridículas todas as suspeitas.

Era questão óbvia fazer jornalismo. Mas nenhum veículo de massa cobrou, por exemplo, celeridade do CNJ para julgar desvios de Moro.

A comunidade jurídica nacional e internacional, estupefata, se mobilizou para destroçar a sôfrega sentença contra Lula no caso tríplex. E foi silenciada para o grande público.

O contraponto necessário era transmutado pela mídia nacional em “mimimi” petista – e o barco dos absurdos seguia sem contratempos: atropelo nos prazos processuais, desprezo a provas, subserviência absoluta à decisão morista.

Nenhuma matéria de fôlego na cobertura da mídia tradicional analisava a sério o teor político do conjunto das ações do juiz.

Quando o habeas corpus fugiu do roteiro, Moro teve a petulância de sair das férias e impedir a soltura de Lula – conduta ilegal e antiética sem precedentes na justiça brasileira.

Mas, covarde e conivente, o jornalismo hegemônico brasileiro minimizou. Assim como galgou o ápice da sabujice ao tentar desmerecer uma decisão da ONU a favor de Lula já na véspera da eleição.

Parte expressiva do mundo chiava, autoridades faziam romaria para se solidarizar com o ex-presidente. A situação fedia a injustiça. Mas os jornalistas taparam o nariz e mantiveram o alinhamento lavajateiro.

Não havia questionamento, repercussão. Ninguém emparedava Moro. Nem mesmo o caso Tacla Durán, nitidamente um indício internacional de reprovação à conduta de Moro, mereceu a atenção devida.

Esse jornalismo fez de Moro um intocável, imaculado.

A decisão de aceitar a recompensa por ajudar Bolsonaro – ao impedir o principal concorrente de disputar a eleição – foi descrita pela imprensa internacional de forma precisa: o pagamento com cargo público pelo serviço sujo de usar a justiça com fins políticos.

Inês morta, os artífices do endeusamento do juiz agora fingem surpresa e arrependimento com o descaramento do acordo de Moro com Bolsonaro – assim como parte dos bolsominions desiludidos com os óbvios impropérios anunciados pelo capitão.

Mas, claro, se recusam a reconhecer Lula como preso político e a exigir das autoridades competentes o reparo imediato dos danos causados pelo juiz à justiça e ao eleitorado do país.

São, com raras exceções, cúmplices de uma anomalia institucional e do esgarçamento da democracia brasileira. Ou cínicos cuja omissão proposital e calculada agora fingem desconhecer.

A opção de Moro de fazer política oficialmente e sem a toga só surpreende quem, durante anos, optou por bajular o juiz contra todas as evidências de má conduta esfregadas na cara da sociedade.

O tamanho do espanto, hoje, é a medida exata da corrosão cancerígena do jornalismo à brasileira – ou, muito pior, da falta dele.