O golpe falhou porque o mané e o pica-fumo ficaram esperando pelos generais. Por Moisés Mendes

Atualizado em 2 de junho de 2023 às 19:55
General Augusto Heleno durante CPI dos Atos Antidemocráticos na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF). Foto: José Cruz/Agência Brasil

O golpe que derrubaria Lula teve manezinhos, manezões, terroristas, patriotas e até oficiais. Mas não teve a presença ostensiva de um general. E não existem golpes sem um general.

No depoimento à CPI do Golpe da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o general Augusto Heleno (foto) disse como funciona um golpe e admitiu que aquele do 8 de janeiro não tinha como funcionar.

Faltou o líder, o chefe, a voz de comando, disse Heleno. E o general acrescentou às categorias listadas lá no início desse texto a figura do pica-fumo, numa alusão aos soldados e outros subalternos sem relevância no quartel que picavam o fumo para o cigarro dos superiores.

O pica-fumo é o soldadinho sem condições de aspirar nada além de cumprir ordens e bajular os oficiais.

Pois o pica-fumo de Heleno equivale ao cabo e ao soldado, com ou sem jipe, do golpe imaginado por Eduardo Bolsonaro contra o Supremo.

O pica-fumo surge na CPI quando alguém perguntou como ele via as articulações sobre o golpe nas conversas vazadas entre o coronel Mauro Cid e o ex-major Ailton Barros.

Heleno disse:

Isso é conversa de pica-fumo, típico de pica-fumo. O cara vai ali, fala um troço, não sei o que e morre ali”.

Não morreu ali porque Ailton Barros, que está preso por suspeita de envolvimento na fraude da vacina de Bolsonaro, acreditou que participaria de um golpe, antes ou depois da posse de Lula.

Ele acreditou, o ministro do TCU Augusto Nardes acreditou. Também acreditaram que haveria um golpe Anderson Torres, mais o autor até agora misterioso da minuta do golpe e o coronel Elcio Franco.

Os mais de 1.400 que invadiram Brasília acreditavam no golpe, assim como os acampados em outros quartéis e os que bloquearam estradas. A Polícia Rodoviária Federal acreditou no golpe.

Heleno disse, logo depois de ouvir na CPI a reprodução de um telefonema de Nardes a um amigo, em que o ministro alerta sobre “um movimento muito forte nas casernas”, que aquela fala fazia parte de “narrativas fantasiosas”.

Eram exageros diante das manifestações normais dos acampados. “Movimentos pacíficos e ordeiros” ou uma “atitude política em locais sadios”, foi o que disse o general.

Mas a turma dos pica-fumos queria fazer mais do que oferecer fumo picado aos generais e acabou reunindo fanfarrões que acreditavam no blefe de Bolsonaro.

E então tudo só foi morrer naquele dia 8 de janeiro. Porque os líderes encobertos ficaram empurrando um para o outro, e faltou o grande chefe.

Bolsonaro estava nos Estados Unidos, Heleno disse que estava em casa e não sabia de nada, outros generais até agora não disseram onde se encontravam, e assim o golpe falhou.

Porque faltou um general, o chefe militar. Um só general, pelo menos. Até a Bolívia, na hora do motim da Polícia Nacional, em 2019, teve um general, um covarde chamado Williams Kaliman, que deu o golpe e fugiu.

Os manés, os patriotas, os terroristas e os pica-fumos não tiveram o suporte de um general. Um pica-fumo não existe sem comando. E eles passaram dias ouvindo recados de que agora vai, não desistam que no fim dará certo.

Mas na hora do ataque, nada de general. Até o mais idiota dos manezinhos presos em Brasília sabe que o chefe do golpe não seria Bolsonaro.

Bolsonaro foi o incitador. Mas o chefe, o verdadeiro líder, o cara “com objetivos”, como disse Heleno na CPI, deveria ser um militar. Ele sabe que deveria.

Mas esse militar, entre os tantos que estiveram ao lado de Bolsonaro até o fim do governo, não apareceu. E os invasores de Brasília acabaram presos.

Mauro Cid está preso, Anderson Torres esteve preso e todos os que depredaram o Planalto, o Supremo e o Congresso viraram réus.

Bolsonaro não poderia ter sido o chefe porque é covarde demais. E os generais sabiam que aquilo não iria dar certo e que nenhum deles tinha nem mesmo vigor físico para encarar um golpe.

Mas nem tudo morreu ali. O incitador do golpe, os que foram cúmplices da incitação, os grandes empresários que financiaram o gabinete do ódio, os que formaram grupos de tios do zap, todos os que tiveram protagonismo no golpe estão livres e impunes.

E os manés, os terroristas, os patriotas, os pica-fumos estão condenados a enfrentar inquéritos, processos e desgraças por muitos anos.

Porque faltou um chefe que pudesse executar, com método, o golpe incitado por Bolsonaro.

Faltou o chefe, como também faltou alguém com poder, com farda, que pudesse ter alertado: isso não vai dar certo.

O pica-fumo sabe que a coisa não morreu totalmente ali. Os generais que não apareceram também sabem.

Publicado originalmente no blog do autor

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