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O jogador que não vestiu a camisa — do patrocinador

Papiss Cissé se recusou a endossar uma empresa cujas práticas o islamismo condena.

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Numa atitude pouco comum no mercenário meio futebolístico, o atacante Papiss Cissé, do tetracampeão inglês Newcastle, recusou-se a vestir a camisa do clube ostentando o patrocinador.

A financeira Wonga.com injeta 8 milhões de libras (aproximadamente R$ 27 milhões) por ano no time, mas o senegalês Cissé é adepto do islamismo e não aceita promover uma empresa cuja prática é condenada por sua religião (a cobrança de juros através de empréstimos).

A crise com o jogador não é de agora, ele já havia manifestado no final da última temporada que não envergaria o uniforme com o logotipo do patrocinador e sugeriu ao clube uma camisa exclusiva, sem a marca, ou com uma instituição beneficente no lugar. Propostas rejeitadas, ontem Cissé sequer viajou com o time para a pré-temporada.

Embora se possa creditar unicamente à sua religiosidade, o fato é que são poucos os jogadores que se dispõem a denunciar negócios mal explicados, escusos ou, como fez Papiss Cissé, simplesmente contrários a seus princípios.

Desde que as camisas de jogadores tornaram-se verdadeiras réplicas de anúncios classificados, a quantidade de maracutaias parece ter evoluido na mesma proporção e, infelizmente, são raríssimos os casos de indignação como o do atacante do Senegal.

As benesses milionárias nas quais os jogadores estão inseridos parecem suscitar alguma indignação somente quando lhes afeta o próprio bolso.

Em 1990, a vergonhosa seleção de Sebastião Lazaroni estava prestes a viajar para a Copa do Mundo na Itália. Chamados para uma foto oficial na Granja Comary, os jogadores surpreenderam a imprensa. Careca, Muller, Dunga, Taffarel e companhia, cobriram a logomarca de um refrigerante que traziam estampada no peito.

O protesto não tinha nenhuma motivação nutricional contra o consumo de bebidas açucaradas nem outra postura ética. Desconfiados da mão-grande da CBF, os jogadores suspeitavam que os US$ 200 mil dólares oferecidos não correspondiam aos 20 por cento previstos no contrato de patrocínio. Fotografia veiculada nos grandes jornais do dia seguinte, e sururu armado, rapidamente mais US$ 200 mil surgiram (o contrato mesmo, não).

É muito cômoda a alegação de que todos precisam de dinheiro para sobreviver. Não dobrar-se perante os excessos e deslizes de conduta é algo muito diferente, razão pela qual Papiss Cissé precisa ser aplaudido.

Mauro Donato

Jornalista, escritor e fotógrafo nascido em São Paulo.

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