O maior cineasta da história: Stanley Kubrick, o infalível

Atualizado em 7 de maio de 2014 às 1:48

 

o jovem fotógrafo Stanley Kubrick
o jovem fotógrafo Stanley Kubrick

“Você acha que nós erramos em não colocar Charlie Chaplin em primeiro?”

Essa pergunta foi feita a Diego Marques, um dos seis especialistas que eu ouvi para descobrir quais foram os maiores cineastas da história. Diego é cinéfilo doente, crítico de cinema do El Hombre e diretor de dublagem. (Vou contar uma coisa que ele vai odiar: é dele a voz de “Dennis, O Pimentinha”).

“Não, não! Kubrick!”

Estávamos no Vianna, um bar em Pinheiros, São Paulo, cheio de espelhos. Por um deles vi sua expressão. Era daquelas como se eu estivesse louco em questionar.

“Kubrick tem dois filmes entre os maiores ícones do cinema: ‘2001: Uma Odisseia No Espaço’ e ‘Laranja Mecânica’”, ele argumentou.

“Quais são os outros?”

“Ah, o que o pessoal fala são esses dois, ‘Cidadão Kane’, ‘O Poderoso Chefão’ I e II…”

Diego ia continuar, mas o interrompi.

“Mas esses dois são do Coppola”.

“É, mas já viu a quantidade de lixo que o Coppola já fez? O Kubrick teve uma carreira muito mais estável”.

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gênio em ação

A verdade é que a maioria dos grandes artistas do mundo, de qualquer área que seja, têm suas fases boas e ruins. Entre todos os maiores cineastas da história citados nesta série de perfis, não houve um que não tivesse seus maus momentos.

Exceto por Stanley Kubrick. A partir do momento em que ele criou um estilo, só fez trabalhos de primeira. Mesmo antes, não chegou a fazer nada ruim (exceto, talvez, por Spartacus, seu primeiro blockbuster).

Kubrick trabalhou num ritmo mais tranquilo que a maioria dos outros. Em quase 50 anos de carreira, fez “apenas” 16 filmes. Para se ter uma ideia, Woody Allen, dirigiu 49 filmes, Spike Lee, 54, Martin Scorsese, 57.

O resultado foi uma carreira extremamente consistente, cheia de grandes momentos e, virtualmente, sem erros.

Kubrick nasceu em Nova Iorque no ano de 1928. Foi o filho mais velho de uma família de origem judaica com raízes na Polônia, Áustria e Romênia. Seu pai era um médico importante, e a família era rica. Mesmo assim, mantinha um modo de vida sem luxos.

Stanley era um mau aluno, mas gostava de ler desde criança. Sempre preferiu as artes aos esportes – exceto por xadrez, que jogou a vida inteira (aprendeu na infância) e retratou em diversos filmes.

Aos treze anos, ganhou uma câmera fotográfica. Tornou, então, fotografia uma de seus passatempos preferidos. Os outros eram jogar xadrez e ir ao cinema.

Apesar de péssimo aluno (costumava cabular aulas para ir ao cinema), conseguiu se formar no ensino médio, mas não foi admitido em nenhuma faculdade devido às más notas.

Enquanto tentava alguma admissão, Stanley entrou num curso de fotografia. Em 1945, passou a fazer alguns trabalhos como freelancer e em 1946 foi contratado pela Look Magazine.

Durante esse período, Kubrick casou com sua primeira namorada, Toba Metz, com quem ficaria por três anos. Nessa época também viu seu prestígio na revista crescer e desistiu de dar sequência nos estudos formais.

Seu interesse pelo cinema, no entanto, era cada vez maior, de modo que em 1951, resolveu filmar um documentário em curta-metragem.

Sua inventividade já era clara neste documentário, que ficou relativamente famoso por conter uma cena rodando ao contrário. Animado com o sucesso, o diretor deixou a Look e passou a trabalhar em outros documentários curtos junto com a pequena produtora RKO.

A trilogia documental que contém “Day Of The Flight” (1951), “Flying Padre” (1951) e “The Seafares”(1953) se tornou o único trabalho não-ficcional de Stanley Kubrick. A partir de então, ele só filmaria ficções.

Kubrick casou com Ruth Sobotca em 1952. Seus dois primeiros longa-metragens foram de baixo orçamento, auto-financiados e com “equipe de um homem só”. Era basicamente Stanley atrás da câmera, eventualmente com sua esposa ajudando com o microfone ou as roupas.

Mesmo assim, “Medo e Desejo” (1953) e “A Morte Passou Perto” (1955), foram sucessos de crítica e já mostravam traços de genialidade, embora não tenham ido bem nas bilheterias (muito por não ter boa distribuição).

Seu primeiro trabalho com equipe profissional foi em “O Grande Golpe” (1956). É uma narrativa não-linear sobre um assalto que acaba dando errado. O tema e o estilo narrativo seriam posteriormente usados por Quentin Tarantino em “Pulp Fiction”.

Foi mais um filme com boas críticas e más vendas, mas levou Stanley Kubrick aos olhos da MGM, que ofereceu um contrato para produzir e distribuir “Glória Feita de Sangue” (1957).

O filme, baseado no romance de Humphrey Cobb, se passa na primeira guerra mundial e conta a história de um batalhão francês enviado para uma missão impossível. Foi proibido na França e na Alemanha por um tempo, mas foi o primeiro sucesso comercial do diretor, e o estabeleceu como um dos mais promissores da indústria.

Durante as filmagens, Kubrick se apaixonaria pela atriz Christiane Harlan, que seria o pivô de seu segundo divórcio – mas terminaria por ser sua esposa até o fim da vida, tendo seus três únicos filhos (Kubrick adotou a filha mais velha do primeiro casamento de Christiane).

E então vem “Spartacus” (1960), filme que mudaria definitivamente a vida de Kubrick aos 31 anos. O ator Kirk Douglas, que trabalhara com Kubrick em “Glória Feita de Sangue”, foi quem o levou à equipe.

Kubrick não era a primeira opção. As filmagens começaram sob comando de Anthony Mann, mas Douglas, que também era produtor, preferiu trocá-lo por Kubrick.

O filme conta a história romantizada porém existente de Espártaco, um escravo gladiador que se rebela e lidera um exército contra Roma na terceira guerra servil (no ano aproximado de 70 a.C.).

Com mais de 10 mil pessoas na equipe, esse filme foi até então o mais caro já produzido nos EUA, e embora não tenha sido o mais rentável, foi um grande sucesso.

Mas Kubrick tinha suas reservas quanto a ele. Durante as filmagens, reclamava da falta de falhas do personagem Espártaco, algo que os produtores e o roteirista não toparam mudar. Durante o processo de edição e finalização, Kubrick teve problemas com Douglas, que “limitava sua liberdade artística”, segundo o diretor.

O trabalho colaborativo, no entanto, levou o filme a ganhar 4 Oscars, e um Globo de Ouro como melhor filme do ano. Mesmo assim, selou o fim da parceria entre Douglas de Kubrick. Foi também a última participação do diretor em filmes que não fossem de produção própria.

Em 1962, Kubrick foi para o Reino Unido filmar a famosa adaptação de “Lolita”, romance de Vladimir Nabokov. Acabou por fazer a maioria de seus filmes posteriores por lá.

“Lolita”, sua primeira comédia de humor-negro, é a história de um homem de meia-idade que se apaixona por uma menina de 12 anos. A escolha de Sue Lyon para interpretar Lolita foi resultado de uma busca obsessiva pelo que Nabokov considerava a “ninfeta perfeita” – eles levaram um ano para encontrá-la.

Este foi o primeiro filme a conversar com o surrealismo, que ganharia força nos trabalhos posteriores de Kubrick. Foi também o primeiro trabalho do diretor a gerar controvérsia com a crítica, embora ele tenha diminuído o erotismo original do livro.

O projeto seguinte de Kubrick foi “Dr. Fantástico” (1964), inspirado no livro “Red Alert” (que posteriormente foi lançado no Brasil com o nome original do filme, “Dr. Strangelove”) de Peter George.

Satirizando as preocupações comuns (das quais ele mesmo compartilhava) em relação à guerra fria e o medo de uma possível guerra nuclear, Kubrick enfrentou um enorme tabu da sociedade americana com esta que ele chamou de “comédia de pesadelo”.

Peter Selleres, que havia atuado em “Lolita” e era considerado pela equipe de produção um dos pivôs do sucesso do filme, foi convidado novamente. Como em “Lolita”, Sellers teve a liberdade de improvisar em seus diálogos.

Foi mais um filme controverso porém fundamental para o desenvolvimento do estilo agressivo e “cético-otimista” de Kubrick.

E então vem seu próximo filme. Ele teria cinco anos de preparação. Não à toa é o que Diego chamou de um dos filmes icônicos da história.

“2001: Uma Odisséia No Espaço” (1968) foi adaptado do conto de Sir Arthur C. Clarke “A Sentinela”, e teve o roteiro escrito por Kubrick juntamente com o autor do conto. Durante três meses, escreveram 130 páginas, sempre consultando profissionais para que a ficção científica fosse verossímil.

O filme, que durante seus primeiros 25 minutos não tem diálogos (mas não fica entediante mesmo assim), conta duas histórias paralelas, com escala temporal diferentes.

É uma história que coloca a inteligência como divisor entre humanos e demais animais, deixando a questão da próxima divisão em aberto.

Esse filme rendeu a Kubrick seu único Oscar como diretor e estabeleceu um novo padrão para os efeitos especiais. Até então, nada parecido havia sido feito.

Diante do resultado artístico, o cineasta adotou definitivamente o processo criativo de “2001…” como padrão. Seu filme seguinte seria outro ícone e viria apenas em 1971: “Laranja Mecânica”.

Nascido de uma tentativa frustrada de financiar um épico sobre Napoleão, “Laranja Mecânica” foi uma volta às origens para Kubrick, que desde Spartacus havia feito filmes de alto orçamento. Este foi um filme relativamente barato, adaptado do romance homônimo escrito por Anthony Burgess, e que conta a história de um grupo de jovens neo-nazistas da cidade de Manchester, no Reino Unido.

Em um certo ponto, o líder do grupo é preso e forçado a passar por um tratamento que estava sendo desenvolvido para resolver o problema da violência nas cidades inglesas: é submetido a lavagens cerebrais.

A intenção de Kubrick era apenas fazer uma crítica social ligada a direitos humanos e ao papel (e os limites) do estado na defesa da ordem, mas não agradou a todos. Em especial, deixou os neo-nazistas ofendidos, de forma que o próprio diretor evitou que fosse lançado no Reino Unido após receber ameaças de morte por parte de diversos grupos.

Mais quatro anos se passariam até o lançamento do próximo Kubrick. “Barry Lyndon” (1975) conta a história de um alpinista social tirada do livro homônimo de William Makepeace. O filme não foi um grande sucesso nos EUA, mas na Europa, sim.

Depois de mudar o patamar dos efeitos especiais com “2001…”, Kubrick teve um novo breakthrough tecnológico em “Barry Lyndon”: adaptou uma lente Zeiss feita a pedido da Nasa para um telescópio numa câmera, mudando completamente o padrão dos panoramas.

Kubrick, que sempre foi um cinematógrafo brilhante, acabou por influenciar a engenharia da indústria de equipamentos cinematográficos: a Panavision passou a fabricar equipamentos semelhantes àquele dali em diante.

No ano de 1980, Kubrick lançou “O Iluminado”. Adaptado da obra homônima de Stephen King, conta a história de um homem que se torna gerente/caseiro de um hotel isolado nas montanhas rochosas americanas. O personagem de Jack Nicholson, em um de seus grandes papéis, enlouquece e ataca sua própria família.

Da metade de sua carreira em diante, Kubrick teve o hábito de dar a liberdade para os atores improvisarem. Nicholson improvisou bastante, segundo Vincent LoBrutto, biógrafo de Kubrick. De acordo com ele, algumas das melhores cenas são resultado de improviso de Nicholson.

Mais uma novidade técnica de Kubrick: o uso da steadycam. O equipamento é uma espécie de contrapeso que permite que a movimentação do operador de câmera fique mais discreta. Segundo o inventor do equipamento, esta foi a primeira vez que se usou como deveria.

“Nascido Para Matar” (1987) foi o penúltimo filme do cineasta. Adaptado do livro “The Short Timers” de Gustav Hasford, conta a história de recrutas que vão para a guerra do Vietnam.

Uma espécie de continuação temática de “Laranja Mecânica”, aborda o processo de desumanização dos soldados através de uma espécie de lavagem-cerebral.

O último filme de Stanley Kubrick foi lançado mais de dez anos depois, em 1999. “De Olhos Bem Fechados” tem Tom Cruise e Nicole Kidman como personagens principais e conta a história de um casal que tenta salvar um relacionamento morno. Ao mesmo tempo, o personagem de Cruise entra de bico numa orgia promovida por uma sociedade secreta em que uma prostituta acaba por morrer.

É uma história sobre a exploração humana, as limitações pessoais e as cadeias de poder.

Kubrick morreu quatro dias depois de assistir o último corte de “De Olhos Bem Fechados” e não viu o filme ser lançado.

Stanley tinha domínio de todos os passos do processo cinematográfico. Isso fica claro em seus “filmes de um homem só”. Com isso, ele explorou as possibilidades do cinema ao máximo. Jamais negou desenvolvimentos tecnológicos (ao contrário – teve contribuição ativa), mas tampouco foi dependente deles.

Entre filmes mais brilhantes e menos brilhantes, não fez um sequer que pudesse ser chamado de ruim. Fez poucos que não tivessem algo extremamente interessante e novo, tanto do ponto de vista técnico quanto artístico.

E quanto a nós? Nós erramos muito mais que Kubrick. Mas aqui, nós acertamos.

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