O menino Miguel não caiu. Foi empurrado pelo racismo. Por Lenne Ferreira

Atualizado em 4 de junho de 2020 às 15:13
Sarí Gaspar Corte Real, esposa do prefeito de Tamandaré, Sérgio Hacker. Foto: Reprodução/Instagram

Publicado originalmente no Instagram da autora

POR LENNE FERREIRA, jornalista

Miguel também já deve ter sonhado em conhecer a Disney. Para um menino preto, filho de empregada doméstica, o mundo encantado dos personagens que ele já viu na TV deve ser mais legal do que a vida real, onde a mãe quase sempre está ausente.

Nem mesmo num período de pandemia, que ele tava sem aulas, foi possível ter a companhia dela, que continuou desempenhando suas funções na casa de Sarí Gaspar Corte Real, esposa do prefeito de Tamandaré, Sérgio Hacker, ambos na foto. Corte Real. Fiquei com esse sobrenome na cabeça e fui pesquisar a origem.

O Wikipedia diz que o sobrenome tem “origem na família Costa, dado que os primeiros Corte Real foram filhos de Dom Vasco Anes da Costa, um cavaleiro medieval fidalgo, nascido em 1630. Quase quatro séculos depois, uma família pernambucana, que pode até não ter relação alguma com o Corte Real português, parece ensaiar uma realeza que vitimou um menino de 5 anos. Enquanto fazia a unha, Sarí pediu para que sua empregada levasse o cachorro pra passear. Miguel chorou. Já tinha chorado muito para conseguir ir pro trabalho com a mãe.

Lá no Pier Maurício de Nassau, espinha de concreto que fere a paisagem do Cais de Santa Rita, onde tudo é tão branco, tem varanda com vista pro oceano e playground. Mas, pra Miguel, o que importava mesmo era estar perto da mãe.

Ela tava trabalhando e não pode cuidar dele o tempo todo. A Sinhá não olhou o filho dela como ela olhava os seus. Colocou o menino no elevador porque não teve paciência com o choro dele como sua empregada tinha com o choro dos seus. Botou ele no elevador para não ser mais importunada.

Miguel não caiu.

Foi empurrado pelo racismo, pela negligência branca, pela realeza que se acha mais soberana do que a vida de um menino que nasceu para ser rei. Para a família, não se trata de fatalidade. Fatalidades são inevitáveis.

A morte de Miguel poderia ter sido evitada se esse país fosse tão antirracista quanto mostram as postagens das redes sociais. Se a imprensa poupasse a dor da família de exposição e estampasse a imagem e o nome da indiciada, se Justiça não fosse vendida por 20 mil.

Como disse a tia Cristina: “A justiça dos homens pode ser falha. Mas a de Deus, não”. Xangô proverá!

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