O Ministério das Comunicações e a ofensiva de Bolsonaro para blindar seu mandato. Por Murilo Ramos

Atualizado em 12 de junho de 2020 às 14:09
Bolsonaro e Fábio Faria
Foto: Agência Câmara

Publicado originalmente no site Os Divergentes

POR MURILO CÉSAR RAMOS*

E Jair Bolsonaro recriou o Ministério das Comunicações, para onde mandou o deputado federal Fabio Faria, do PSD do Rio Grande do Norte, atual terceiro secretário da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados

O novo ministro do, não exatamente novo, ministério é casado com a apresentadora Patrícia Abravanel, filha de Silvio Santos. Sobre Faria, disse Bolsonaro: “Ele não é um profissional do setor, mas tem conhecimento até pela vida que ele tem junto à família do Silvio Santos. A função é essa: otimizar e botar o ministério para funcionar nesta área, que estamos devendo há muito tempo uma melhor informação”.

A recriação do Ministério das Comunicações foi uma operação-relâmpago, uma blitz, que pegou o mundo empresarial, sociedade civil e a esmagadora maioria do mundo político-parlamentar, na mais absoluta surpresa.

Mas, não é preciso ter a bola de cristal da parlamentar-vidente Carla Zambelli, que consegue prever com semanas de antecipação as mais sigilosas operações da Polícia Federal, para se compreender a estratégia que levou Jair Bolsonaro a recriar a referida Pasta, mesmo ao custo de ter que entregá-la a um ainda parlamentar, que tem circulado com rara desenvoltura ao longa da sua vida pública por ambientes tão diversificados quanto as antessalas governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o jet set artístico do eixo Rio-São Paulo – já ficou inclusive com as celebridades Adriane Galisteu e Sabrina Sato -, os escritórios da JBS, os gabinetes da Operação Lava Jato e, sobretudo, a cozinha de Rodrigo Maia. Além, é claro, do entorno mais íntimo da Família Bolsonaro.

Hoje, e ainda por muito tempo, Bolsonaro só tem uma preocupação: a de sobreviver ao inquérito da Procuradoria Geral da República, sob a relatoria do ministro Celso de Mello, somado ao chamado inquérito das fake news, comandado pelo ministro Alexandre de Moraes. Dois movimentos que, somado à CPI das Fake News, ora em curso no Congresso Nacional, até ontem se constituíam em ameaças reais à saúde política do Presidente da República.

Mas, agora, não mais.

E o salvo-conduto a um Presidente que não tem compromisso algum com a democracia e suas instituições, a começar pela própria Presidência da República; que não tem e jamais teve história política que o credenciasse a estar onde está hoje; que tinha até hoje como sua única garantia de sobrevivência as Forças Armadas; que comportou-se, e ainda se comporta, como um virtual genocida, ao desprezar a vida das vítimas de uma pandemia; que aparelhou o Ministério da Saúde com uma trupe de militares incompetentes; e muito mais poderia ser dito aqui; esse salvo conduto foi garantido por aquele que, na aparência, era o seu maior algoz, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.

Recentemente, o dúbio presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, afirmou, numa dúbia reprimenda a Bolsonaro, que o presidente da República tinha atitudes dúbias para com a democracia, como semanas atrás um igualmente dúbio Rodrigo Maia chamou entrevista coletiva para defender o Congresso Nacional de mais um dos nunca dúbios ataques do presidente da República.

Mas o tempo de tantas dubiedades acabou.

Desde hoje Jair Bolsonaro está definitivamente blindado contra as dezenas de pedidos de impeachment que Maia sem dubiedade alguma segurava, como também contra a hipótese de, finalizado o inquérito da PGR, provocado pelas acusações de Sérgio Moro sobre as tentativas de Bolsonaro interferir na autonomia da Polícia Federal, o Congresso vir a aprovar um eventual pedido do STF para que ele viesse a ser julgado por crime comum. Como já estava, e está, contra a possibilidade de o Superior Tribunal Eleitoral vir a cassar a chapa Jair Bolsonaro-Hamilton Mourão, porque esta seria uma hipótese contra a qual se ergueriam, sem sombra de dúvidas, as armas das Forças Armadas, e talvez também outras forças armadas.

Mas, a recriação do Ministério das Comunicações tem um outro viés, que ficou evidente quando se soube que Fábio Wejngarten seria o secretário-executivo da Pasta. O que Bolsonaro hoje deixou ainda mais evidente, ao explicitar que: “Ele [Fábio Faria] não é um profissional do setor, mas tem conhecimento até pela vida que ele tem junto à família do Silvio Santos. A função é essa: otimizar e botar o ministério para funcionar nesta área, que estamos devendo há muito tempo uma melhor informação”.

Jair Bolsonaro viu na oportunidade da blindagem oferecida pelo Centrão, uma outra: a de criar, na prática, o seu Ministério da Propaganda. Em momento algum dessa blitz, dessa operação-relâmpago, passou pela cabeça dele qualquer coisa assemelhada com banda larga, com conectividade, com acesso à informação, com a tecnologia 5 e outras Gs que ainda virão, plataformas over the top, e assim por diante. Mas, Bolsonaro foi deputado federal o tempo suficiente para saber que o Ministério das Comunicações sempre fora o ministério da radiodifusão, da televisão e do rádio, das concessões milagrosas que garantiam mandatos de todos os tipos; o ministério da Globo, aquele para o qual Roberto Marinho nomeava ministros e secretários, e que tinha garantido para a sua TV ‘o monopólio das comunicações’, mas que agora chegava a hora de o feitiço virar contra o feiticeiro. E mandou para lá, para ser o ministro de fato, o seu atual ministro da propaganda, que assumirá uma Pasta encorpada até com uma agência reguladora, com o poder, a Pasta, imagina Bolsonaro, de discricionariamente ‘cassar concessão’, e de ‘orientar a mídia’ a dar prioridade a programações do tipo Brasil acima de tudo, Deus acima de todos, e assim se vencer as heresias, tipo ‘ideologia de gênero’.

Não sei porque, e finalizo com essa dúvida, a promoção do Wejngarten, e é uma promoção, acreditem, me fez lembrar aquele vídeo que derrubou aquele secretário da Cultura, o Roberto Alvim.

*O autor é professor emérito da Faculdade de Comunicação na Universidade de Brasília