O pedido de prisão do irmão do vice-governador e o maior escândalo de corrupção de SP desde Maluf e Pitta. Por José Cássio

Atualizado em 4 de fevereiro de 2019 às 11:10

Rodrigo Garcia, vice-governador e homem forte de João Doria em São Paulo, veio a público neste fim de semana para afirmar que o fato de seu irmão estar foragido da Justiça após condenação por corrupção no caso da máfia do ISS paulistano é “assunto de foro íntimo”.

“A Constituição e a lei são para todos”, despistou. “Essa é uma questão de família”.

Não, não é.

É uma questão de Estado, inclusive porque envolve o principal aliado político de Rodrigo Garcia, o ex-prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, que sequer tomou posse como secretário da Casa Civil do estado por conta dos processos que responde no âmbito da Lava Jato.

As investigações sobre a máfia do ISS, o maior escândalo municipal desde a Operação Água Espraiada nas gestões Maluf e Celso Pitta, mostram que funcionários da prefeitura, liderados pelo ex-subsecretário de Finanças do prefeito, cobravam propina de empreiteiras em troca de descontos em impostos das obras.

O cabeça do esquema era Ronilson Rodrigues. Além do subsecretário de Finanças, no núcleo duro do esquema atuavam o ex-fiscal Fabio Remesso e Marco Aurélio Garcia, irmão do vice-governador que se responsabilizava por locar salas comerciais no centro da cidade para Ronilson fazer reuniões diárias.

Os desvios ultrapassam R$ 500 milhões, segundo a promotoria. Mais de 400 inquéritos e 24 processos foram abertos.

Marco Aurélio Garcia teve a prisão decretada na semana passada, mas não foi localizado.

Suspeita-se que tenha fugido do país, por isso o MP estadual acionou a Interpol para encontrá-lo.

O vice-governador disse na coletiva à imprensa que não sabe onde o irmão está, tampouco se vai se entregar à polícia.

Ronilson Rodrigues se apresentou aos policiais na sexta (1) e Fábio Remesso também está foragido.

Os três foram condenados em segunda instância pela 4ª Câmara Criminal do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) –  a prisão foi expedida após esgotarem-se os recursos possíveis.

A máfia do ISS foi descoberta no final de 2013 após aperar por seis anos, desde 2007.

Segundo a denúncia, em troca de propina empreiteiras obtinham descontos no pagamento do ISS (Imposto sobre Serviços) para a concessão do Habite-se pós-conclusão de obras imobiliárias.

A investigação surgiu da “incompatibilidade material do patrimônio dos fiscais”, que ganhavam entre R$ 15 mil e R$ 18 mil, mas tinham patrimônio avaliado em até R$ 25 milhões.

Para o promotor Roberto Bodini, é “impossível que esse grupo tenha operado e tenha agido durante todo esse tempo sem que tivesse o apoio político para que isso funcionasse.”

Rodrigo Garcia e Gilberto Kassab formam uma das mais antigas e bem sucedidas parcerias da história recente de São Paulo.

Se juntaram em 1996, no governo de Celso Pitta na prefeitura, com Kassab no comando da secretaria de Planejamento e Rodrigo como seu chefe de gabinete.

Já neste período foram alvos de inquérito na Promotoria de Justiça da Capital – apurou suposto enriquecimento ilícito de ambos, mas a investigação acabou arquivada por falta de provas.

Em 1998, iniciaram a ascensão eleitoral, quando se elegeram, respectivamente, deputados federal e estadual, com um jingle que grudou como chiclete no imaginário do eleitor.

“Quem sabe, sabe, vota comigo, federal é Kassab, estadual é Rodrigo.”

Desde então, trilharam uma carreira meteórica tanto política quanto empresarial.

Foram sócios em empresas de transporte, gráfica, construção civil e pecuária.

Quando assumiu a prefeitura da capital, em 2007 após a renúncia de José Serra (PSDB), Kassab criou uma secretaria, a de Desburocratização, para abrigar o amigo.

O relacionamento entre os dois teve uma pequena interrupção em 2010, quando Kassab criou o PSD, mas retomou com força no segundo semestre do ano passado, quando se juntaram de novo para ajudar na candidatura de João Dória ao governo do Estado.

O plano do gestor foi interrompido pela Lava Jato –  está no pé de Kassab.

A ideia de Dória, para que tivesse tempo de articular nacionalmente sua candidatura à presidência em 2020, era concentrar a articulação política do governo nas mãos do ex-prefeito e ministro das Comunicações e Tecnologia de Temer, com Rodrigo cuidando da zeladoria do estado.

O plano acabou interrompido pela Lava Jato e agora sofre novo revés, com a prisão do ex-subsecretário Ronilson Rodrigues e a Interpol na cola de Marco Aurélio Garcia.

Como se pode observar, ao contrário do que diz o vice-governador do estado, o caso nem de longe lembra questão de foro íntimo.

É decorrência de uma investigação longa sobre uma operação planejada dentro da própria prefeitura e que pode implicar muito mais gente.

Foto: reprodução da internet