“O plano é esse: quanto pior for Bolsonaro como presidente, melhor para os generais”, diz coronel da reserva ao DCM

Atualizado em 10 de agosto de 2021 às 13:24
Marcelo Pimentel e Bolsonaro. (FOTO: ARQUIVO PESSOAL E ISAC NÓBREGA/PR)

O coronel Marcelo Pimentel, formado na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) em 1987, está na reserva desde 2018 e, mais recentemente, tem feito críticas aos militares que se alinham ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

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Bolsonaro convocou uma passeata com tanques de guerra da Marinha nesta terça (10) para entregar o convite para um treinamento que a Marinha realiza anualmente no Centro de Instrução da cidade goiana de Formosa desde 1988. O desfile militar acontece no mesmo dia que a Câmara vota a PL do chamado “voto impresso” – uma tentativa de golpe do presidente para reagir à possível derrota nas eleições de 2022.

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Pimentel concedeu uma entrevista ao DCM sobre o desfile de tanques e a forma como a mídia cobre o setor militar.

Diário do Centro do Mundo: Como o senhor enxerga essa passeata de tanques da Marinha de Bolsonaro em Brasília? É demonstração de força simbólica ou sintoma de uma adesão preocupante das Forças Armadas com Bolsonaro?

Marcelo Pimentel: Ao que parece, o evento é apenas um exercício de adestramento de tropas dos fuzileiros navais, provavelmente de artilharia, o apoio de fogo, que necessitam de campos de tiros extensos para disparos de canhões, obuseiros e foguetes. 

Como o campo de instrução de Formosa, que está sob responsabilidade do Exército, é o único campo terrestre que permite tiros com alcance de até 60 quilômetros, é provável que tenha sido escolhido por isso. Se não me engano, esse tipo de exercício da Marinha é normal e usual.

O problema é a entrega desse convite num blindado ou num desfile blindado pela Esplanada dos Ministérios o que, além de impróprio, é feito em oportunidade que demonstra uma de duas coisas. A primeira é que o Comando que idealizou essa indevida demonstração em plena efervescência política parece que é insensato. E é perigoso haver oficiais e generais, ainda mais comandantes, que pareçam insensatos.

A segunda é que o comando fez isso propositalmente para parecer, repito, parecer que o presidente da República seria capaz de liderar uma espécie de golpe ou, ao menos, uma ação armada de intimidação do Congresso Nacional nos moldes em que fez o general Villas-Bôas, por intermédio dos dois tuítes de abril de 2018 na véspera de julgamento do HC do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Na primeira hipótese, a menos provável, acho que a sociedade deve questionar o nível de discernimento dos que lideram as Forças Armadas. Na segunda, a sociedade deve ficar alerta para o fato de que algumas das atuais lideranças e chefias militares, especialmente as que se encontram no governo, e não se esqueça que há dezenas e dezenas de generais e coronéis em cabeça, tronco, membros, entranhas e alma da máquina pública, administração direta e indireta, parecem estar exercendo um papel, um personagem, para dar credibilidade ao mito do “capitão Bolsonaro golpista”. 

Tudo com a finalidade de viabilizar a liderança do general Hamilton Mourão, o vice, no processo eleitoral pela situação com ou sem o capitão, ao mesmo tempo que cria condições para generais que posam de “anti-bolsonaro” (mesmo tendo sido cabo eleitoral e participante do governo) possam compor a tal “terceira via”.

Isso, me parece, nada mais é do que a posição de centro-direita representada historicamente pelo PSDB, agora na oposição do governo. Mesmo em que se pese as alianças eleitorais em São Paulo e no Rio Grande do Sul, terem ostensivamente apoiado a eleição da chapa militar.

DCM: Como o senhor vê a cobertura de imprensa das Forças Armadas? 

MP: Com raríssimas exceções, a mídia em geral, especialmente a tradicional, vem cobrindo muito mal a participação dos militares no governo. Seja menosprezando a importância da presença de tantos generais, como disse, em cabeça, tronco, membros, entranhas e alma do governo Bolsonaro, seja servindo de porta-vozes de generais do governo e de fora do governo que tentam simplesmente manter o poder que já conquistaram em 2016, parcialmente, e em 2018, totalmente.

Parece não compreender que quase TODAS as crises brasileiras são fabricadas artificialmente pelo próprio governo (gerido e comandado pelos generais da geração 70 AMAN – a mesma do capitão Bolsonaro) para atender a seguinte ideia central: os militares devem ser tolerados no governo porque são capazes de evitar que o capitão “dê um golpe” (FANTASIA), até mesmo o substituindo em caso de seu impedimento por qualquer motivo (saúde, impeachment, renúncia, neutralização.

Eles foram criados para atender a seguinte ideia central: os militares devem ser tolerados no governo porque são capazes de evitar que o capitão “dê um golpe”, uma fantasia, até mesmo o substituindo em caso de seu impedimento por qualquer motivo – saúde, impeachment, renúncia, neutralização. 

Qualquer um que suceder o capitão fará um governo melhor que o dele, mesmo que não faça nada! O plano parece ser esse mesmo: quanto pior for o capitão como presidente, melhor para os generais com papel político de contenção do “golpismo” do capitão.

Boa parte da imprensa não está entendendo que o que estamos assistindo é a recidiva do FENÔMENO SÓCIO-HISTÓRICO do protagonismo político dos generais que funcionam como espécie de dirigentes partidários comandando um verdadeiro PARTIDO MILITAR.

Esse partido instrumentaliza os militares e as próprias Forças Armadas para atingirem seus objetivos pessoais travestidos de corporativos ou nacionais.

O que vivemos nos últimos 30 anos, especialmente de 1988 a 2018, foi, infelizmente, uma exceção política nos últimos 150 anos.

A imprensa tem comprado as versões dos generais do governo e vendido como “furos”, “confidências”, “exclusividades”. Assim, vão até intitulando os capítulos dessa novela: já tivemos a “ala militar moderada” versus a “ala ideológica radical”; o general “Santos Cruz racional” humilhado pelo “gabinete do ódio olavista gerido pelos filhos do capitão”; “o filho indicado para embaixada sequestrando o debate nacional enquanto passava a reforma da Previdência (em especial a nossa); “o general para quem é simples assim um manda e o outro obedece” versus “o capitão anticiência”; o “presidente que queria usar as forças armadas para um golpe em março deste ano” contra “os comandantes das forças armadas humilhados e demitidos porque não querem a politização das forças armadas” (foram os principais responsáveis por ela, com a autorização para generais na ativa exercerem cargos políticos no governo); “os oficiais do ministério da saúde que evitaram a corrupção do Centrão na aquisição de vacinas”; o “Centrão tomando espaço dos militares no governo” (nenhum militar saiu de cargo) e “passando um trem’ sobre o “humilhado general Ramos” (salário fura-teto); e, agora, o “voto impresso” contra “a urna eletrônica”. 

A finalidade disso tudo é dividir o Brasil entre apoiadores do pólo A e apoiadores do pólo B da “crise de turno”, esquecendo-se no Brasil que os pólos A e B são do mesmo campo político. 

Blindado da Marinha pronto para o desfile em Brasília

DCM: A esquerda tem uma obsessão por associar os militares com golpe de Estado pelo histórico com a ditadura ou existe um risco real?

MP: Essa obsessão da esquerda, para usar a expressão sugerida na pergunta, facilita a construção da percepção da opinião pública sobre isso. Não à toa, essa história de golpe, intervenção federal, AI-5, entre outras, é trazida pelo próprio governo.

A tal vendida “ala ideológica”, nada mais é do que uma ficção ou, no máximo, é uma derivação dos próprios generais, que são ideológicos por essência. 

Sem que a imprensa e os analistas mostrem qualquer indignação, ordens do dia são publicadas e assinadas pelos comandantes das Forças Armadas chamando golpe e ditadura de “marcos da democracia”. Em qual país isso existe?

DCM: Você afirmou em uma entrevista à BBC que as Forças Armadas buscavam se descolar da política. Como isso mudou?

MP: Sim, buscamos durante os 30 anos desses anos de democracia, mas a partir de um combo de razões, motivações e pretextos, essa geração de Bolsonaro, quando assumiu o comando das Forças Armadas a partir dos anos 2010, voltou pra política e arrastou as forças armadas (os militares) atrás de si.

DCM: A politização dos militares estava presente já em operações como a Acolhida em Roraima, com Ramos e Pazuello?

MP: Sim, claro. As operações são evidentes demonstrações disso.

DCM: A intervenção de Braga Netto no Rio de Janeiro também cooperou para essa politização?

MP: Sem dúvida.

A intervenção, ao mesmo tempo que foi publicidade das Forças Armadas, colou a imagem da instituição, que era muito boa em 2018, na candidatura que tinha a segurança pública como principal bandeira e, ainda, travou as reformas, como a da Previdência, que dariam ao governo Temer algum cacife eleitoral para a disputa de 2018.

Nesse sentido, foi fundamental a presença do general Santos Cruz como SENASP/MJ do Temer, de seu colega de turma de Aman em 1974, Etchegoyen, como ministro do GSI, “dono” da Inteligência Nacional, e do Ministério da Defesa já com o general Silva e Luna como titular, atual presidente da Petrobras e substituto do descartável Raul Jungmann. Foi fundamental para “convencer” um já desgastado Temer da necessidade da intervenção.

Além disso, deve-se prestar atenção àquela “greve dos caminhoneiros”, na verdade um lockout de donos de transportadoras do sul do Brasil que arruinaram os índices econômicos do governo Temer. Diminuindo, como eu já disse, seu cacife eleitoral para novembro de 2018.

DCM: O que fazer para afastar, novamente, os militares da política?

MP: Não votar em militares em 2018. A imprensa e os estudiosos do tema têm um papel para informar e formar a opinião pública no entendimento do fenômeno como ele se apresenta hoje. É bem diferente do modo como se apresentou em outras épocas. Muitos acadêmicos estão “enferrujados” estudando o tema “militares-politica-poder” sob a lógica conceitual e histórica da Guerra Fria dos anos 60 e 70 enquanto os métodos hoje são o que a gente pode chamar de “híbridos” e de “amplo espectro”.

No fenômeno que a imprensa e os estudiosos ainda não perceberam, um Partido Militar dinamiza, vetorizando, dois processos que se alimentam e fortalecem mutuamente e que sinalizam uma lenta, gradual e segura trajetória de consolidação de um governo autoritário, estado forte e mínimo sob a tutela das Forças Armadas, de suas lideranças.

Os dois processos são evidentes: politização das Forças Armadas, dos militares, e militarização da política, e por meio dessa, da própria sociedade.

Minha interpretação conceitual da expressão “Partido Militar” é a seguinte: “Ação de um grupo coeso, disciplinado, forte, hierarquizado, com características autoritárias e de autoridade típicas dos valores e prática militares, com pretensões de poder político até de natureza hegemônica, dirigido pelos generais formados na Aman nos anos 70, que instrumentalizam as Forças Armadas para conquista e manutenção do Poder”.

Bolsonaro e Braga Netto