Quem são os militares e civis da Operação Acolhida, o grupo de Pazuello que é alvo da CPI. Por Zambarda

Atualizado em 8 de agosto de 2021 às 13:20
À mesa, empresário e ex-assessor do Ministério da Saúde, Airton Antonio Soligo, conhecido como Airton Cascavel
Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado

No depoimento que deu à CPI da Covid em 5 de agosto, o empresário e político Airton Soligo, conhecido como Cascavel, se definiu como um “plantador de melões” e mencionou os militares que fizeram parte do Ministério da Saúde. Respondendo ao senador Renan Calheiros, Cascavel explicou que é civil.

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O empresário também falou brevemente sobre a Operação Acolhida, que foi iniciada em fevereiro de 2018 ainda no governo Michel Temer. Foi no mesmo período da intervenção federal do Exército no Rio de Janeiro, pouco antes do assassinato da ex-vereadora Marielle Franco, do PSOL.

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Da Acolhida, em Roraima, saiu o general Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira, além do próprio Pazuello. Da intervenção no Rio, surgiu publicamente o nome do general Walter Souza Braga Netto.

O general Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira
Imagem: Divulgação

Os dois ocuparam postos importantes no governo Bolsonaro. E, em Roraima, Cascavel, um civil, teve sua participação na Acolhida.

Venezuelanos em condições análogas às de escravidão

As fontes que estão em contato com o DCM deram informações muito importantes sobre a Operação Acolhida. Algumas envolvem a cadeia de comando militar que veio dessa iniciativa e se formou no governo Bolsonaro.

O general carioca Eduardo Pazuello coordenou as tropas do Exército nos Jogos Olímpicos do Brasil em 2016 e entrou na Acolhida em março de 2018, um mês após seu início. Pazuello, indicado para a iniciativa por Ramos, trabalhou nela até janeiro de 2020 – chegando ao cargo de coordenação.

Nos bastidores, Pazuello chamava a operação de “sucesso” e se gabava do cargo. A realidade não era exatamente essa.

General Eduardo Pazuello e general Antonio de Barros durante a solenidade de passagem de Comando da Força Tarefa Humanitária “Operação Acolhida” – Foto: Luan Pablo Amarante/Reprodução/Folha BV

Em abril deste ano, segundo informações do próprio Exército, a Operação Acolhida interiorizou 50 mil refugiados e migrantes venezuelanos em três anos, acolhendo-os em mais de 670 municípios do Brasil.

A realidade não é bem essa.

Uma reportagem de Yara Lima na Folha BV, jornal de Boa Vista em Roraima, aponta que a iniciativa tem um custo aproximado de R$ 14 milhões por mês, o que equivale a quase R$500 mil por dia. Além disso, segundo o coordenador atual da operação, general Antônio Barros, eles possuem R$ 7 milhões para fazer os empenhos e manter a logística com os imigrantes. A verba necessária para pagar as contas da Operação Acolhida é o dobro desse valor: R$ 14 milhões. E esses dados são de julho de 2021.

Já uma reportagem de Fábio Teixeira e Emily Costa na Agência Reuters em agosto deste ano afirma que venezuelanos sofrem abusos nos empregos ofertados pela Operação Acolhida. Alguns desses imigrantes foram obrigados a trabalhar longos períodos ilegalmente, de até 18 horas por dia, não recebiam folgas e eram obrigados a dormir em seus caminhões.

General Pazuello na época da Operação Acolhida (Foto: Arquivo Folha BV/Reprodução)

Eram condições análogas às de escravidão.

O general que indicou o general, que se aproximou de Cascavel

Ramos indicou Pazuello. Em Roraima, o general conheceu Airton Soligo Cascavel, que já havia sido prefeito de Mucajaí, deputado estadual e federal nos anos 2000. O apelido Cascavel surgiu porque, em 1985, Airton foi assessor da empresa paranaense União Cascavel de Transporte e Turismo (Eucatur) durante a expansão das linhas de ônibus na região. De acordo com o próprio empresário, ele tinha propriedades agrárias, incluindo plantação de melões, era dono das redes de motéis Opium e Cruviana, além de ser próximo do governador do estado, o bolsonarista Antônio Denário – o que era importante para o Exército naquela operação.

Cascavel e Antônio Denário. Foto: Reprodução

Cascavel foi acusado de corrupção ativa, grilagem de terras e até estupro de vulnerável.

Pazuello e Cascavel mantinham uma amizade com o deputado estadual Jânio Xingu, hoje no PSB. De Mucajaí, Xingu fazia festas caras, regadas a uísque e prostituas, segundo as fontes consultadas pelo DCM. Em 2013, o G1 noticiou que Jânio Xingu foi acusado de “usar testas de ferro” em Roraima. Na época, Xingu chamou estudantes em uma manifestação de “macacos de auditório”. Em 2021, Jânio Xingu foi interrogado pela Justiça sob acusação de desvios de dinheiro público protocolada no Ministério Público.

Jânio Xingu. Foto: Assembleia de Roraima/Reprodução
Cascavel, à esquerda, e Xingu, de vermelho. Foto: Reprodução

Outro civil que esteve próximo dos militares naquela ocasião foi o empresário Carlos Wizard Martins. Empresário no ramo de cursos de inglês, ele serviu na Acolhida como voluntário.

Além desses parceiros civis, Pazuello teve contato na mesma Operação Acolhida com o coronel Antônio Elcio Franco Filho. Conhecido pela “faca na caveira” que carrega como broche no terno, Elcio foi para a reserva e, por quatro meses em 2019, foi secretário de Saúde em Roraima.

No Ministério da Saúde, Elcio ocupou o cargo de secretário-executivo, sendo o “número dois” oficial de Pazuello na pasta.

Coronel Elcio Franco Filho utilizou dois broches na lapela de seu paletó. Um deles, do SUS. O outro, um símbolo militar das tropas do Comando do Brasil TV Brasil/Reprodução

E dentro da Operação Acolhida, Eduardo Pazuello também trabalhou com Franco Duarte. É Franco que vai indicar o tenente-coronel Marcelo Blanco, que vai se envolver em negociações suspeitas com o PM Luiz Paulo Dominghetti, o reverendo Amilton de Paula e o secretário Roberto Dias.

São as negociações suspeitas envolvendo doses de vacinas da AstraZeneca, com acusações de superfaturamento de US$ 1 por dose. O caso foi denunciado pelo próprio Dominghetti à Folha de S.Paulo.

Esse escândalo e as compras com suspeitas de superfaturamento em doses de vacina, testes de covid e até preservativos da Precisa Medicamentos serão todos interligados até o coronel Elcio Franco, que teve cargo de secretário com Pazuello na Saúde. O nome de Elcio é lembrado pela maioria dos depoentes na CPI.

E para terminar as ligações militares na Operação Acolhida de 2018, foi nesse mesmo projeto em Roraima que Pazuello conheceu Laura Tiriba Appi. Única infectologista do grupo de militares em torno do ex-ministro, a tenente terminou a residência médica em março daquele ano.

Pazuello e Laura Tiriba Appi (Montagem)

Laura e Pazuello tornaram-se amantes na Acolhida. Hoje ela é a atual namorada dele. Dentro do Ministério da Saúde, ela assumiu o cargo de assessora em maio de 2020. Partiu dela a elaboração do protocolo que previa ‘tratamento precoce’ com cloroquina. A informação foi dada na época pelo site Jota.

Ramos, o general que levou Pazuello para a Acolhida, se tornaria ministro-chefe da Secretaria de Governo e, depois, titular da Casa Civil de Bolsonaro.

A omissão de Cascavel

Em pronunciamento, à mesa, empresário e ex-assessor do Ministério da Saúde, Airton Antonio Soligo, conhecido como Airton cascavel.
Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado

Na CPI da Covid, Cascavel afirmou que começou a trabalhar, de maneira não-oficial, com o Ministério da Saúde na gestão Nelson Teich, quando Eduardo Pazuello era secretário-executivo.

Airton Cascavel omitiu detalhes sobre seu relacionamento com Pazuello. Eles estavam juntos desde 2018, na Operação Acolhida, de onde saíram parte dos militares que aparelharam o governo Bolsonaro.

Quem é quem na Operação Acolhida

Airton Antonio Soligo, conhecido como Cascavel: Empresário e político. Foi prefeito de Mucajaí, em Roraima, deputado estadual e federal. Conheceu Pazuello como voluntário na Acolhida e tornou-se seu assessor informal no Ministério da Saúde, quando Nelson Teich deixou o cargo de ministro em maio de 2020. Cascavel tornou-se assessor especial em 24 de junho de 2020, sendo acusado nos bastidores de ser o “ministro de fato” da pasta quando Pazuello atuou. Foi exonerado do cargo público com o general em março de 2021. Tornou-se secretário de Saúde de Roraima, mesmo sem ter conhecimento na área, em maio. Foi novamente exonerado em julho deste ano. Envolvido com acusações de crime e até de corrupção ativa desde os anos 1980. Tornou-se alvo da CPI mais recentemente após abertura de investigação da Polícia Federal e por iniciativa do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

Antônio Denário: Foi interventor federal de Roraima em 2018, durante a Operação Acolhida, por decisão do então presidente Michel Temer por uma crise financeira e de segurança pública no estado. Aproximou-se dos militares e de Pazuello. Bolsonarista, Denário candidatou-se ao governo de Roraima pelo PSL e venceu com 53,34% dos votos.

Antônio Elcio Franco Filho: Coronel da reserva. Foi oficial do Exército por 39 anos. Foi subcomandante e chefe do Estado-Maior da Força de Pacificação no Complexo de Favelas da Maré, em 2014, no Rio de Janeiro. Elcio se tornou mestre em operações militares e ciências militares e atuou nas operações de segurança e defesa dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016. De 2017 a fevereiro de 2019, o militar teve cargo de assessor no ministério da Defesa. Elcio Franco então foi movido para a reserva. No mês de abril de 2019 foi nomeado assessor e subchefe de Articulação e Monitoramento da Casa Civil do governo do estado de Roraima, cargo que ocupou por menos de dois meses. Depois ele foi posto no cargo de secretário de Saúde da gestão estadual, onde permaneceu por três meses. Nessa época teve contato com a Operação Acolhida. Tornou-se secretário-executivo do Ministério da Saúde, sucessor de Pazuello, e número dois real do general na pasta. Graças às relações próximas com intermediários de vacinas de seus subordinados, Elcio tornou-se um dos alvos mais citados por testemunhas na CPI da Covid por ingerência na pandemia.

Carlos Wizard Martins: Empresário conhecido como fundador da rede de ensino de idiomas Wizard, vendida para a britânica Pearson por R$ 2 bilhões. Tem participação no setor na rede Wise Up. Está envolvido em projetos sociais desde 2018, chegou a se filiar ao PSDB e passou a servir como voluntário na Operação Acolhida. Foi cotado para se tornar ministro da Saúde no lugar de Eduardo Pazuello e esteve envolvido no chamado “gabinete das sombras”, que recomendou cloroquina para tratar covid sem comprovação de eficácia científica. Chegou a ter uma condução coercitiva aprovada pelo STF para ser obrigado a prestar depoimento à CPI da Covid e fugiu dos Estados Unidos para o México para não prestar esclarecimentos. Ficou em silêncio diante dos senadores. 

Eduardo Pazuello: O general foi coordenador da Operação Acolhida desde seu início, em 2018, chegando a acumular o cargo de secretário da Fazenda de Roraima no final daquele ano. Tornou-se secretário-executivo do ex-ministro da Saúde Nelson Teich já no governo Bolsonaro. Trouxe os militares e os civis da Acolhida para o governo e tornou-se oficialmente ministro em setembro de 2020, no pico das mortes por omissões na pandemia do novo coronavírus. Tornou-se um dos principais alvos da CPI da Covid.

Luiz Otávio Franco Duarte: Coronel do Exército. Trabalhou com Pazuello na Operação Acolhida em 2018 e foi o primeiro secretário militar nomeado pelo ex-ministro na Saúde depois da saída de Nelson Teich. Franco Duarte é quem indicou o tenente-coronel Marcelo Blanco para a Saúde, envolvido em negociações suspeitas com o PM Luiz Paulo Dominghetti, o reverendo Amilton de Paula e o secretário Roberto Dias. Blanco deu depoimento na CPI da Covid.

Jânio Xingu: Deputado estadual do PSB em Roraima. Promovia festas com uísque e prostitutas segundo fontes consultadas pelo DCM. Esteve próximo de Pazuello, na época que era coordenador da Operação Acolhida, do empresário Cascavel e do governador Antônio Denário.

Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira: General que indicou Pazuello para a Operação Acolhida. Liderando o Comando Militar do Sudeste (CMSE), fez operações em Roraima em 2019, segundo informações do próprio Exército. No dia 13 de junho de 2019, Ramos foi nomeado ministro-chefe da Secretaria de Governo do Brasil (Segov), do governo Bolsonaro, no lugar do também militar Carlos Alberto dos Santos Cruz. Ganhou poder político. Indicou Pazuello para o Ministério da Saúde. No dia 29 de março de 2021, general Ramos tornou-se ministro-chefe da Casa Civil da Presidência no lugar de Walter Braga Netto. Caiu em 28 de julho deste ano para que o senador Ciro Nogueira assumisse o cargo, fortalecendo o Centrão. Em 28 de julho de 2021, Ramosfoi nomeado para o cargo de ministro-chefe da Secretaria-Geral.

Laura Tiriba Appi: Primeiro-tenente e médica infectologista. Formou-se em Medicina em 2014. Conheceu Eduardo Pazuello na Operação Acolhida em 2018 e tornou-se sua amante, de acordo com fontes consultadas pelo DCM. Foi levada ao ministério da Saúde como assessora. Contribuiu para a orientação do protocolo de uso da cloroquina, sem eficácia comprovada contra covid, na pasta. Tornou-se namorada oficialmente do ex-ministro.

Marcelo Blanco: Tenente-coronel. Era próximo de Luiz Otávio Franco Duarte na Operação Acolhida, conectado com Pazuello. Tornou-se diretor do Departamento de Logística (DLOG) do Ministério da Saúde sob Eduardo Pazuello. Envolveu-se em negociações suspeitas com o PM Luiz Paulo Dominghetti, o reverendo Amilton de Paula e o secretário Roberto Dias. Virou alvo da CPI da Covid.