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O que Dilma foi fazer em Davos

Achou melhor ir

Dilma ter ido a Davos é um fato em si. Ela não iria para lá se não sentisse necessidade de tranquilizar os investidores estrangeiros.

É um encontro anual, este do Fórum Econômico Mundial. Desde que chegou ao Planalto Dilma jamais se interessara em viajar a Davos – uma cidadezinha linda no alto dos Alpes suíços que nesta época do ano fica toda branca de neve, e com temperaturas que podem chegar a menos 20.

Dilma só foi a Davos porque as circunstâncias mudaram. O deslumbramento com os países emergentes fazia com que seus líderes não tivessem que se esforçar muito para atrair investimentos estrangeiros.

Mas agora a empolgação esfriou. Não é um problema específico do Brasil, mas de todos os emergentes. Olhares oblíquos são endereçados até para a China.

O organizador do encontro – dono, na verdade, Klaus Schwab — usou uma expressão que diz muito sobre a mudança de percepção. Ele falou numa “crise da meia idade” dos emergentes.

Curiosamente, Davos também sofre dessa crise. O primeiro encontro foi em 1971. Na década de 1980 Davos foi uma espécie de símbolo da globalização.

Nos anos de ouro atraiu, além da elite mundial dos negócios, celebridades como a jovem Angelina Jolie. Todos os fotógrafos a fotografavam, e isso garantia mídia para Davos em todo o mundo.

Hoje é apenas um evento de negócios entre tantos outros. As celebridades sumiram e se instalaram subcelebridades como Paulo Coelho, sempre presente.

O encanto de Davos foi se esvaindo quando, com o passar dos anos, se percebeu que dali não brotavam soluções capazes de melhorar o mundo.

Ao mesmo tempo, estrelas como Jolie deixaram de ir porque notaram que estavam sendo usadas como escada para elevar o faturamento da empresa que organiza o encontro. (Davos é um negócio privado: as empresas participantes pagam para estar lá.)

Empresários, executivos e líderes políticos se reúnem durante quatro ou cinco dias. São ouvidos e entrevistados por jornalistas de diversas partes. Há, sempre, uma pauta central: a deste ano é a questão da desigualdade.

Cobri duas vezes Davos, na década de 2000, e as coisas que lembro com mais carinho são, primeiro, o trajeto de trem de Zurique a Davos, espantosamente lindo, sobretudo no trecho dos Alpes. Você vê pela janela neve, riachos, esquiadores, e tem vontade que a viagem não termine.

A segunda lembrança forte é o sabor excepcional dos fondues de Zurique. Eu enfrentava com alegria a neve para comer foundue ali no centro da cidade pouco antes que os restaurantes fechassem, às 11 da noite.

Davos é hoje muito menos do que foi. É mais uma boca livre – e uma chance de trocar cartões — do que um encontro de líderes capazes de transformar o mundo em algo melhor.

Nesta reunião de 2014, o fato mais relevante para os brasileiros é, simplesmente, que Dilma achou melhor ir. Numa analogia, você não vai ao dentista se o dente não incomoda.

Isto mostra que o governo sentiu a inquietação dos investidores estrangeiros: esta é a notícia.

Paulo Nogueira

O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

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