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O que o Conselho Federal de Medicina ganha ao detonar a saúde pública em nova campanha?

 

A revista Time escolheu os médicos que lutaram contra a epidemia de ebola como as pessoas do ano. “Eles se arriscaram e persistiram, se sacrificaram e salvaram”, diz a editora Nancy Gibbs. Havia pouco que pudesse ser feito para impedir que a doença se espalhasse. Os governos não estavam equipados, a OMS não admitia o problema, ela escreve.

Mas os profissionais no campo combateram ombro a ombro com enfermeiros, motoristas de ambulâncias e outros abnegados. “Pergunte a eles qual foi sua motivação e alguns falam em Deus; alguns em seu país; alguns sobre o instinto de enfrentar uma questão e não correr dela”, descreve Gibson.

Os colegas brasileiros foram a antítese disso. Ao longo do ano, protagonizaram cenas de xenofobia contra os cubanos, denunciaram a invasão bolivariana no Brasil (“estratégia semelhante já ocorreu na Venezuela e na Bolívia, com consequências graves para estes países e suas populações”, denunciou o Conselho Federal de Medicina, CFM), ameaçaram jogar uma bomba no Nordeste depois das eleições. Um doutor Milton Simon Pires, de Porto Alegre, chamou Dilma de “grande filha da puta” nas redes sociais, ganhando uma advertência carinhosa do Conselho Regional do Rio Grande do Sul.

A última jogada da categoria é uma campanha publicitária do CFM detonando a saúde pública. Fotos de corredores lotados e gente tratada como lixo são acompanhadas do seguinte texto: “De um lado falta quase tudo. Faltam leitos e medicamentos. Falta infraestrutura nos postos de saúde e hospitais. Faltam condições de trabalho e de atendimento. Falta estímulo para médicos e profissionais da saúde, que recebem baixos salários. Faltam recursos para a saúde e competência para gerir a verba pública. Falta respeito por parte dos planos de saúde, que cometem abusos contra médicos e pacientes.”

Na sequencia, mais retratos, desta vez de consultórios asseados: “Do outro, sobra dedicação e luta pela saúde. Apesar de a situação da saúde no Brasil ser muito grave, os Conselhos Federal e Regionais de Medicina mantêm o compromisso de seguir lutando pela valorização do trabalho médico e para que todo brasileiro tenha um atendimento digno. Em 2015, conte conosco e com os médicos brasileiros que, sem preconceito, lutam dia e noite para que a saúde do povo seja tratada com prioridade, qualidade e respeito.”

“Sem preconceito”. “Povo”. O CFM foi criado em 1951. Nestas sete décadas, o que fez em prol da medicina nacional? Nada. Não é seu papel, pode ser argumentado.

Qual é, então? A postura corporativista, elitista e sempre política ajuda a reforçar a certeza de que o CFM está interessado em diversas coisas e o paciente não é uma delas. Ganha do DCM a divisa de “categoria mala de 2014”.

Kiko Nogueira

Diretor do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.

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Kiko Nogueira

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