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O racismo no futebol tem uma chance de acabar se Pelé ficar calado

Dançando lambada

 

Lembrei de Pelé ao ler uma citação do escritor Albert Camus. Está no livro “O Mito de Sísifo” e diz que “um homem é mais homem pelas coisas que silencia do que pelas que diz”.  Pelé mais uma vez silenciou sobre um caso de agressão racista no futebol – desta vez foi a já emblemática ofensa sofrida por Daniel Alves, do Barcelona.

Quer dizer, o silêncio não foi literal. Ao ser perguntado sobre a provocação, deu um passe de canela. “Racismo não é no futebol, tem em todos os setores da sociedade há muito tempo. O que não podemos deixar é uma coisa tão banal, de um carinha que jogou uma banana, e fazer do limão uma limonada”, disse o Rei do Futebol.

Mas relevar uma agressão racista chamando-a de “banal” e a repercussão do fato de “tempestade em copo d’água” é o mesmo que calar-se e desviar o olhar de um problema que só tem crescido no futebol profissional. Vindo de umas das personalidades negras mais conhecidas do mundo, é nocivo, deletério para o combate ao preconceito racial.

Pelé disse que em seu tempo “jogavam jaca, manga”. Simbolismos à parte, levar uma manga na cabeça deve doer mais que uma bananada. Jaca, então, melhor nem imaginar. Comparando essas frutas à que arremessaram em Daniel Alves, Pelé minimiza o insulto ocorrido no estádio do Villarreal e outros tantos, como os sofridos pelo lateral Roberto Carlos, anos atrás, e Yaya Touré, do Manchester City.

Embora não tenha recebido mangas ou jacas na cabeça, Touré seguiu o caminho oposto ao de Pelé e ameaça liderar um boicote de jogadores negros na Copa de 2018. A Rússia, país sede, é um dos principais palcos de episódios racistas no futebol.

Na luta pelo fim do racismo, o meio-campista nascido na Costa do Marfim tabela com um dos carrascos do Brasil na Copa da França, em 1998. Ex-zagueiro, o francês Lilian Thuram criou uma fundação cujo objetivo é erradicar o racismo por meio da educação.

Se fosse possível somar os talentos futebolísticos de Touré e Thuram não teríamos um terço da habilidade que Pelé teve dentro do campo. Fora das quatro linhas, com a militância dos dois, o jogo muda. Pelé vira um perna de pau clássico, dos que só entram para completar a pelada na várzea.

Marcos Sacramento

Marcos Sacramento, capixaba de Vitória, é jornalista. Goleiro mediano no tempo da faculdade, só piorou desde então. Orgulha-se de não saber bater pandeiro nem palmas para programas de TV ruins.

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