“O Rio do Desejo” é uma das melhores surpresas do cinema nacional neste ano. Por Roger Worms

Atualizado em 8 de abril de 2023 às 17:16
Cena do filme “O Rio do Desejo”

O cinema nacional volta a respirar após o sufocamento da COVID-19 e o desamparo intencional do desgoverno Bolsonaro.

Vivemos dias muito sofridos nesse período de trevas, mas por sorte do destino e resiliência de nossa gente, podemos vislumbrar esperanças no final desse túnel de assombramentos.

Um bom exemplo desse novo momento é poder, após longo período de produção, conferir o diretor Sérgio Machado lançar mais um filme. “Cidade Baixa”, seu filme de 2005, tem ligação direta com a estética e temática do recentíssimo lançamento, “O Rio do Desejo”.

O longa metragem foi inspirado e adaptado do conto “O Adeus do Comandante”, de Milton Hatoum, autor nascido e criado no palco e cenário central da trama, a Amazônia.

O barco, a mulher cobiçada por mais de um homem, o vapor, a água, o suor encharcado escorrendo sobre a pele em desejos pela mulher fatal, que inspira a discórdia entre irmãos de sangue ou jornada.

Filme de tela grande, para o cinema.

A estratégia de lançamento lotou de convidados quatro salas em um shopping badalado no centro de São Paulo. Investimento na capilaridade das redes sociais dos convivas, que flanavam pelo saguão da pré-exibição com o importante papel de gerar desejo em real time: você não está presente, mas acompanha tudo.

Assim, garantindo o sucesso do formato: escurinho do cinema, tela gigante, pipoca e refrigerante em ambiente acolhedor para cinéfilos de plantão. Os cinemas estão precisando de gente e nada melhor que um mergulho nas entranhas da Amazônia & psiquê humanas para provocar curiosidade e reflexão.

Fotografia inspirada de um Brasil mais que profundo e suas contradições incontáveis. Segura direção e preparação de atores em uma boa costura de elenco em que Sophie Charlotte, Daniel de Oliveira, Gabriel Leone & Rômulo Braga (que por uma coincidência, ou não, lembra muito – fisicamente – o autor Hatoum na juventude de estudante de Arquitetura em SP) levam a essa grande viagem de símbolos e reminiscências familiares, personificadas na figura da mãe ausente.

O filme é muito bom, especialmente num momento de discussão da inteligência artificial como ferramenta ou condenação da humanidade.

É importante voltar para o coração da floresta amazônica. Com uma fotografia poderosa e eficiente, embalada em uma boa direção musical, calçada nas guitarradas amazonenses, desenha um bom retrato regional – “Jungle Fever” – para o mundo entender um pouquinho mais de nossa potência e fragilidade simultâneas.