O Rock in Rio é onde o rock vai para morrer. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 19 de setembro de 2015 às 17:43
Encalhou
Encalhou

 

O Procon está multando o Rock in Rio por causa do vazamento de esgoto num dos banheiros femininos. Foi ao lado de um lugar concorrido, um paredão com o nome de todas as estrelas do festival.

Apesar do fedor de urina e de outras essências não identificadas, as pessoas não estavam nem aí: tiravam lá sua fotinho e um abraço.

De certa forma, resume o evento. A música é o que menos importa (o que é aquela massa insossa servida pelo One Republic, com seu vocalista emulando um castratto, abusando do falsete e da falsa simpatia?).

O bacana é andar de tirolesa e encher a lata com mais 80 mil pagantes (320 reais a inteira, 272 para clientes Itaú), obedecendo quando um sujeito com microfone grita: “Pula!”

É o túmulo do rock, a história se repetindo como farsa. Todo vocalista se enrola na mesma bandeira do Brasil, pronuncia “obrigado” e “eu amo vocês” e dá uma corridinha num cercadinho, seguido por seguranças. É sempre o mesmo fulano, vindo da mesma fábrica.

Ninguém corre risco. O Rock in Rio é uma festa de firma de uma indústria milionária. A transmissão do Multishow acrescenta uma dose de loucura com seus apresentadores fazendo propaganda de celular nos intervalos.

Essa edição ainda carrega uma dose de nostalgia, já que se comemoram os 30 anos do primeiro dos shows que deram origem à série (você foi?). Um dos itens vendidos é a “lama” original.

Um grupo de brasileiros prestou uma homenagem àquele final de semana de 1985. O que sobrou da Blitz, o que sobrou dos Titãs e o que sobrou do Kid Abelha (um saxofonista) se uniram ao que sobrou do Barão Vermelho (Frejat). Até Ivan Lins apareceu. Dinho, do Capital Inicial, organizou a coisa.

No final, eles se juntaram para cantar um hino. “Satisfaction”? “Smoke on The Water”? “Let it Be”? “Maluco Beleza”? Não. Entoaram o tema do Rock in Rio, um jingle, liderados por Rogério Flausino, do Jota Quest. Nos olhinhos de cada um deles a esperança de voltar.

A banda de Cássia Eller se reuniu. Vários nomes foram chamados para interpretar hits da última grande cantora brasileira. O clímax, novamente, foi uma paródia: Zélia Duncan, Martnália e uma cover de Cássia ergueram as camisetas para exibir os seios, como a original fez em 2011.

O baile da saudade contou com o Queen, no qual sobrevivem o guitarrista Brian May e o baterista Roger Taylor. Adam Lambert, um rapaz bonito e de boa voz, fez o possível para imitar Freddie Mercury vestido como um dos integrantes do Village People. Lambert foi descoberto num American Idol. Portanto, estava à vontade naquele karaokê humano.

Se você desse um desconto de 100%, podia imaginar que Freddie estava ali, numa versão domesticada (em 1979, Freddie Mercury falou: “Foda-se. Eu estou fazendo tudo com todo o mundo”). Ao abrir os olhos, deparava com o menino Lambert.

Mas isso, no final das contas, não é o que faz diferença. Se você tivesse, digamos, Genival Lacerda um pouco mais magro ao lado de Brian (com seu poodle branco na cabeça), o efeito não seria muito diverso.

A música é um detalhe num milionário parque temático. Em “Fantasma do Paraíso”, ótimo filme cult de Brian de Palma sobre um artista que vende a alma ao diabo, um ídolo de matinê sem talento chamado Beef é escalado para um espetáculo.

O Fantasma, gênio atormentado que habita o teatro, adverte Beef de que se ele cantar pode sofrer sérias consequências. Ele o ignora. Beef morre eletrocutado pelo Fantasma em cima do palco, no final de uma canção, berrando em sua agonia.

A galera aplaude, enlouquecida, e pede bis. Nos festivais é assim — apenas com o aroma de esgoto para enfeitar o ambiente.

 

Freddie ainda rende um pixuleco para os amigos quando surge no telão
Freddie ainda rende um pixuleco para os amigos quando surge no telão