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O saque de Carol Solberg pela democracia

Publicado originalmente no Vermelho

A advertência do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) do Vôlei à atleta Carol Solberg por ter gritado “Fora, Bolsonaro” em uma entrevista, após conquistar medalha de bronze na primeira etapa do Circuito Brasileiro de vôlei de praia, suscita um importante debate sobre a liberdade de expressão. A resposta da atleta foi altiva. Disse não ter se arrependido, posto que apenas exerceu um direito.

Não é a primeira vez que atletas se manifestam politicamente. Há dois anos, os jogadores Wallace e Maurício Souza fizeram o “17” com as mãos após uma partida da seleção brasileira de vôlei masculino, uma referência ao número do então candidato à presidência Jair Bolsonaro. A foto da cena chegou a ser publicada pela Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) em suas redes sociais e não houve nenhuma denúncia na esfera jurídica.

Como disse o advogado da atleta, Felipe Santa Cruz – presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) –, houve a troca do julgamento jurídico pelo político. O pedido de indenização de R$ 100 mil e a tentativa de impedir Carol de competir nos próximos seis torneios – negados pelo STJD – caracterizavam um “exagero”, avaliou o advogado. Era uma afronta ao Artigo 5º da Constituição, que assegura a liberdade de expressão e o direito de manifestação.

É preciso considerar, também, as condicionantes que levaram a atleta a protestar contra o presidente da República. Conforme sua explicação, apesar da alegria pela conquista do terceiro lugar na competição foi impossível não pensar em tudo o que está acontecendo no Brasil, como as queimadas na Amazônia e no Pantanal, as mortes por Covid-19 “e tudo mais”. “Veio um grito totalmente espontâneo de tristeza e indignação por tudo o que está acontecendo”, disse Carol.

A grande questão que se impõe como ponto central da polêmica é a rudeza das acusações e a resposta desmedida do STJD, mesmo que abrandada em relação ao pedido de punição. O artigo 191 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), invocado como base para o cumprimento do regulamento da competição – “deixar de cumprir, ou dificultar o cumprimento de regulamento, geral ou especial, de competição” –, foi aplicado de forma arbitrária, com o agravante de que viola a lei máxima do país, a Constituição da República.

Soma-se a esse comportamento a atitude de dois pesos e duas medidas pelas manifestações pró e contra Bolsonaro dos atletas. Nos dois casos fica evidenciado um comportamento de afronta ao Estado Democrático de Direito. Contra ou a favor, o direito à livre manifestação é o cerne da questão. Ao abdicar dessa premissa, a denúncia do Ministério Público Federal contra Carol violou um princípio básico do regime democrático.

Isso não pouca coisa. A Justiça, em todos os seus âmbitos, não pode jogar contra a regra democrática e ser usada ao sabor de motivações políticas e ideológicas. Ela pertence e serve a todos em geral e a ninguém em específico e, em última análise, deve instaurar a ordem e a igualdade de direitos e deveres. A alternativa a essa premissa é a barbárie. Sua função é atuar como terceiro elemento, neutro, e obedecer às leis, sobretudo a Constituição. Ou seja: parafraseando o poeta Ferreira Gullar, o brado de Carol foi “por você, por mim”, por milhões de brasileiros e brasileiras. E contra o desemprego, a destruição ambiental do nosso país, a fome que voltou a atingir milhões de brasileiros. E em solidariedade às vítimas da Covid-19.

Diario do Centro do Mundo

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