Os 50 segundos de fúria de Hebe de Bonafini. Por Moisés Mendes

Atualizado em 21 de novembro de 2022 às 6:32
Hebe de Bonafini, presidenta das Mães da Praça de Maio. (Foto: Divulgação)

Por Moisés Mendes

A luta por justiça e pelas liberdades perdeu Hebe de Bonafini, aos 93 anos. Hebe foi mais do que uma combatente argentina, foi e será a inspiradora de lutas das mulheres em toda a América Latina.

Hebe, a mãe que transformou desespero em luta, era a brava defensora dos direitos humanos e inimiga não só dos ditadores e dos torturadores argentinos. Ela odiava o neoliberalismo.

Em janeiro de 2001, Hebe protagonizou um momento único em Porto Alegre, quando sua fúria foi vista mais de perto.

A primeira edição do Fórum Social Mundial teria de ser marcada por coisas espetaculares. E um debate da fundadora das Mães da Praça de Maio e de outros líderes de esquerda, de um lado, com George Soros e seus parceiros de Fórum Econômico de Davos, do outro, seria espetacular.

O debate aconteceria por videoconferência, com Hebe e seus parceiros de movimentos sociais em Porto Alegre e Soros e seus amigos em Davos. Não era um formato comum na época.

Lembro da expectativa diante de um telão no auditório da PUC. Porto Alegre iria produzir um acontecimento de impacto mundial.

Mas lembro também que o previsto por alguns se confirmaria logo em seguida. O que aconteceu era mesmo o que deveria ter acontecido. Não houve debate.

Quando chegou a hora de Hebe falar, a argentina se dirigiu em voz alta aos interlocutores de Davos e a Soros, que na época representava a especulação financeira sem escrúpulos.

Hebe, sempre intensa, disse:

“Senhores, vocês são nossos inimigos. São hipócritas em suas respostas. Respondam quantas crianças matam por dia com seus planos, respondam! Quantas mães teremos que seguir aguentando a morte pela globalização, pelo capitalismo ou o nome que vocês queiram dar. Respondam, senhores! São como monstros que comem tudo, que têm cabeça e barriga e não tem coração. Como mãe lhes pergunto: quantas crianças matam por dia, senhor Soros, com essa cara de hipócrita, sorrindo diante da morte de milhões de criança por fome. Responda-me, senhor Soros, me olhe na cara se tem coragem”.

Soros tentou rebater:

“Estou tentando ter um diálogo com você, mas você parece que não quer ter qualquer diálogo comigo”.

E o debate não prosperou. Com uma fala de 50 segundos, Hebe havia esculhambado com um diálogo impossível.

O que ela quis dizer, ao tornar a conversa inviável, é que, naquele momento e naquelas circunstâncias, não havia o que debater com Soros e as estrelas de direita de Davos.

Era impossível conversar com os que ganhavam dinheiro com a morte de crianças e com a destruição do mundo.

A Argentina saía de uma década de dolarização e estava caindo aos pedaços. O Brasil das privatizações afundava, no segundo governo de Fernando Henrique Cardoso. Iniciava-se o fracasso do neoliberalismo.

Tão distante e quase esquecido, o 1º Fórum Social Mundial parece hoje algo irreal. Quem nasceu naquele ano tem agora a idade em que ideias, reflexões diversas, posições e até convicções começam a amadurecer.

Um jovem de 21 anos precisa buscar saber o que aconteceu naquele verão de 2001, quando Porto Alegre foi invadida pelos sonhos de 20 mil pessoas.

Um jovem de 21 anos precisa saber que um dia Hebe María Pastor de Bonafini passou por aqui.

(Abaixo, o vídeo com o trecho da intervenção de Hebe)

Originalmente publicado em BLOG DO MOISÉS MENDES
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