Os parques de Paris devem estar sentindo nossa falta. Viramos párias, reféns do culto à morte. Por Kakay

Atualizado em 7 de março de 2021 às 17:35
Os parques de Paris devem estar sentindo nossa falta. Viramos párias, reféns do culto à morte, diz Kakay. Foto: Reprodução/YouTube/Wikimedia Commons

POR ANTONIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO, O KAKAY, advogado criminalista

“Nós sempre teremos Paris!”
H. Bogart

“A maior riqueza do homem é sua incompletude. Nesse ponto sou abastado. Palavras que me aceitam como sou- eu não aceito.”
Manoel de Barros

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Ganhei da Roberta, minha querida sócia e companheira de vida, um livro . O SPLEEN DE PARIS, de Charles Baudelaire. Pequenos poemas em prosa. Ganhar um livro é sempre um afago na alma, um gesto de carinho que nos abraça , especialmente neste momento dos abraços substituídos pelo olhar. Quem oferece um livro renova e reforça a confiança na humanidade.

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Mas o que me fez mais ainda “viajar”, a leitura é sempre uma incrível e indizível hipótese de viagem, foi ela dizer que leu o livro e se lembrou de mim em Paris ou, talvez, de Paris em mim, na minha vida. Na minha eterna promessa de um dia chutar o balde e me perder nos bares/cafés de Paris, com um ou dois copos de vinho, ou mais, e uma caderneta ávida por ser preenchida por histórias ou por pequenos poemas em prosa.

Quando fiz terapia em Paris, com o genial Eric Laurent, o que mais me me encantava, e de alguma forma funcionava, era flanar por Paris logo após as sessões. As sessões duravam longas horas, dias até.

Hoje, para nós, nem Paris existe mais. Viramos párias internacionais, reféns de uma política de culto a morte. Os parques de Paris, desenhados por Baudelaire no poema, devem estar sentindo nossa falta. Só nós, presos neste círculo invisível de giz, e amarrados por uma espessa nuvem tóxica de obscurantismo, podemos gritar para o mundo que aqui nos tiraram a voz, o ar, a alegria. Mas também só nós podemos dizer que vamos resistir com poesia, com literatura, com dignidade. Estas são palavras e sentidos que os medíocres bárbaros desconhecem. Vamos acossa-los com muita luz, alegria, gozo. Eles voltarão para as trevas e para o esgoto, de onde nunca deveriam ter saído. E, quem sabe, eu possa voltar a sentar num café em Paris e só observar as pessoas passando. É pouco, mas, para mim, neste momento, seria tudo.

O velho Eça disse:

“ Paris… desiludido desta cruel vida, vim pedir ao absinto, no boulevard, uma hora de esquecimento.”

Paris, na França. Foto: Wikimedia Commons