Categories: DestaquesMundo

Paris depois dos atentados. Por Luísa Gadelha

Place de La Republique, repleta de flores e mensagens

Estive na França recentemente, para as festas de fim de ano. Ao chegar em Orly, o aeroporto de Paris, imaginei que a segurança estaria redobrada e tive até mesmo receio de ser interrogada ou algo do tipo. Mas, não: tudo continuava calmo e tranquilo, como de costume, exceto pelo número um pouco elevado de policiais fardados que perambulavam pelo aeroporto.

Em Paris, o jornal Direct Matin – distribuído gratuitamente nas estações de metrô – anunciava, na manchete de capa: Segurança reforçada para as festas – das estações aos aeroportos, dos locais de culto ao comércio, as autoridades estarão a postos para vigiar e assegurar as férias.

De fato, com exceção desse pormenor (mais policiais na rua), a vida seguia normalmente. Paris estava plena de turistas das mais diversas nacionalidades, todos os museus e comércio funcionando normalmente, como sempre.

Em Rennes, quando fiz o check-in no hotel, o funcionário me pediu para tirar uma cópia do meu passaporte e que eu preenchesse um formulário. Desculpou-se, dizendo que andavam um pouco desconfiados desde o 13 de novembro.

Conversei com pessoas em Saint-Malo, Rennes, Rouen e Paris. Um rapaz que estuda na escola de polícia há alguns meses, em Saint-Malo, mostrou-se ansioso para terminar o curso e atuar como policial em Paris. Demonstrou pesar pelo atentado, claro, mas também solicitude em servir o país.

Um outro rapaz, em Rennes, disse que o seu cotidiano, e dos amigos e familiares, permanece o mesmo. “Sabemos que atentados provavelmente ainda irão ocorrer, mas não podemos deixar de viver por causa do medo. Pelo contrário: mostramos que essas coisas não nos afetam, e continuamos a viver, sair, festejar.” Ele também acredita que, com os atentados, a imagem da polícia francesa melhorou para os cidadãos. “Antes, considerávamos os policiais uns intrusos. Mas agora, nos sentimos mais seguros na presença deles.” Comentou, ainda, sobre o Estado Islâmico: “eles querem passar a impressão de que todos os muçulmanos são terroristas, querem nos dividir. Mas sabemos que isso não é verdade. Tenho muitos amigos muçulmanos que deploram o que aconteceu em Paris”.

Realmente, na noite de Natal, na frente da igreja de Saint-Léger, em Lens, cerca de dez muçulmanos protegeram simbolicamente missa da meia-noite, acolhendo os fiéis, num forte gesto de paz e fraternidade.

Conversei, ainda, com um policial que trabalha no aeroporto Charles de Gaulle. Apesar de não trabalhar diretamente com o terrorismo, e sim com o controle de imigração, ele destacou que todos os policiais estão em estado de urgência – mais vigilantes e atentos. Alguns protocolos policias também foram alterados, como os processos de busca e apreensão, que se tornaram mais maleáveis. Perguntado se tinha medo, o policial me respondeu que não. “Nós não temos medo, pois é o que os terroristas querem. Se sentirmos medo, significa que eles venceram”.

Uma moça da Bretanha comentou sobre o fato inusitado de cada vez mais jovens europeus, nem sempre de origem muçulmana, serem atraídos pelo Estado Islâmico e fugirem de suas famílias em busca das promessas de seus instigadores. Muitos, decepcionados, tentam depois voltar à Europa, em tentativas infrutíferas.

Um professor de matemática de Rouen me contou que tem se tornado mais cuidadoso ao ministrar suas aulas, pois antes utilizava as datas de nascimento de Maomé e outros profetas para ensinar a contagem do tempo. Agora, atenta para o que diz, para não ofender os muçulmanos.

Na noite de 31 de dezembro, Paris estava fervilhante. Comprei o último exemplar do ano do Charlie Hebdo. O hebdomadário mantém sua veia irônica e sarcástica, com piadas sobre as resoluções para o ano novo e críticas políticas. Nenhuma menção aos acontecimentos recentes. Apenas, na última página, uma entrevista com um jornalista e editor turco falando sobre o perigo que corre o laicismo na Turquia, com um governo muçulmano no poder.

As festas do réveillon ocorreram, com a segurança reforçada, mas tudo de uma maneira natural. Os turistas e cidadãos franceses ainda puderam aproveitar o transporte público gratuito até o meio-dia do dia primeiro de janeiro em toda a região de Paris e Île-de-France.

Os locais onde sucederam os atentados (Bataclan, o bar La Belle Équipe), bem como a Praça da República, lugar de homenagem às vítimas, permanecem estampados com flores, velas, bandeiras, mensagens de paz e fotos, demonstrando que apesar de seguirem com suas vidas, os franceses não se esqueceram.

A impressão que fiquei – pois já morei na França há alguns anos e presenciei inúmeros casos de preconceito contra árabes, principalmente os que vêm das ex-colônias do norte da África – é que os últimos atentados serviram, ao menos, para unir o povo francês, incluindo os de origem islâmica: todos se sentem como uma nação enfim conectada, e partilham de ideais comuns.

Luísa Gadelha

Luísa é graduada e mestra em Letras, graduanda em Filosofia, ama literatura desde sempre e quadrinhos há alguns anos, tem preferência por romances (longos), sejam clássicos ou contemporâneos e se esforça - ou nem tanto - para ler mais poesia. Isso quando não está vendo séries.

Disqus Comments Loading...
Share
Published by
Luísa Gadelha

Recent Posts

Entenda como o Centrão pode salvar mandato de Moro

A cassação do senador Sergio Moro (União-PR), considerada praticamente certa por quase todos os parlamentares,…

15 minutos ago

Os estudantes presos e os farsantes de uma democracia disfuncional. Por Moisés Mendes

Joe Biden é o mais republicano dos democratas. As circunstâncias o levaram a ficar diante…

6 horas ago

Consumidor paga mil vezes menos por joia de ouro com diamantes de marca de luxo

Rogelio Villarreal, um cirurgião residente no estado de Tamaulipas, no México, ficou surpreso ao deparar-se…

7 horas ago

De origem judia, candidata à presidência dos EUA é presa em ato pró-Palestina

Jill Stein, candidata nas eleições presidenciais do EUA pelo Partido Verde, foi detida no último…

8 horas ago

Casas Bahia renegocia dívida com bancos e CEO comemora: “Bastante satisfeitos”

O grupo Casas Bahia anunciou ao público neste domingo (28) a conclusão de um acordo…

8 horas ago

Atos pró-Palestina em universidades dos EUA levam mais de 200 à prisão

  Mais de 200 manifestantes foram detidos no sábado (27), nas universidades Northeastern, Arizona, Indiana…

9 horas ago