POR VINÍCIUS SEGALLA e PEDRO ZAMBARDA
O PCO, Partido da Causa Operária, direciona há, pelo menos, cinco anos os recursos públicos que recebe via Fundo Eleitoral para empresas e pessoas ligadas ao presidente da sigla, Rui Costa Pimenta, a seus familiares ou filiados e candidatos do partido.
É o que mostram documentos de caráter público relacionados a contas eleitorais, e dados fiscais, patrimoniais e financeiros do partido analisados pelo DCM.
Dos R$ 2,2 milhões que o PCO recebeu de verbas públicas em 2018 e 2020, R$ 1,65 milhão foi parar em duas empresas de pessoas ligadas à família Pimenta.
A primeira é um escritório em Brasília de um advogado que é sócio de uma filha de Rui Costa Pimenta em outra empresa, funcionário da fundação partidária do PCO e ex-candidato a deputado federal da legenda por duas eleições.
A segunda é uma gráfica em São Paulo que é considerada inapta pela Receita Federal desde 2021, por não apresentar ao Poder Público os registros de suas atividades econômicas por, pelo menos, dois anos consecutivos. Uma de suas duas donas é jornalista filiada ao PCO e ex-candidata a deputada do partido em 2006.
Há também uma editora cujo proprietário participou de atividades financeiras dentro da legenda e cuja comunicação está com o marido da filha de Rui Costa Pimenta. Negócios familiares.
Por não possuir representantes no Congresso Nacional, o PCO não recebe verbas do Fundo Partidário. Assim, sua única fonte de renda conhecida é o Fundo Eleitoral, que foi criado em 2017 para financiar as campanhas eleitorais depois que o STF (Supremo Tribunal Federal) proibiu as doações de empresas.
De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o PCO recebeu R$ 1 milhão nas eleições de 2018 e R$ 1,2 milhão nas de 2020. Para 2022, o montante previsto é de R$ 2 milhões. Assim, a sigla recebeu R$ 2,2 milhões de recursos públicos de 2018 a 2021.
Em 2018 e 2020, de acordo com as prestações de contas da legenda à Justiça Eleitoral, o partido gastou R$ 789,2 mil com um só escritório de advocacia: o Alessander e Santos Advogados, sediado no Distrito Federal. Desse montante, R$ 250 mil foram contratados só em 2020, diretamente com a pessoa física de Juliano Alessander, um de seus dois sócios.
Os trechos do documento abaixo constam na prestação de contas de 2020 do PCO à Justiça Eleitoral. Trata-se do contrato do PCO com o advogado, no valor de R$ 250 mil. Como se nota, em que pese seu escritório seja em Brasília, Alessander mantém residência profissional em São Paulo (o endereço completo foi ocultado pela reportagem).
O advogado tem o partido em sua carteira de representados desde, pelo menos, 2011, como mostra o documento abaixo, uma nota de pagamento por serviços do PCO datada daquele ano, e constante em declaração pública de despesas da legenda à Justiça Eleitoral.
Além de advogado, Juliano Alessander é filiado ao PCO e também empregado registrado da Fundação João Jorge Costa Pimenta (nome em homenagem a um operário anarquista que morreu em 1976 e era avô de Rui Costa), ligada ao partido.
E, além de advogado que presta serviço ao PCO e de empregado da fundação partidária ligada ao partido, Alessander é também membro da Comissão Executiva da legenda, responsável por fiscalizar e aprovar o balanço financeiro e patrimonial da sigla (inclusive os próprios pagamentos que ele e seu escritório recebem), conforme se vê em documento abaixo, também apresentado em processo público às autoridades eleitorais.
Ainda, Alessander é sócio-proprietário de outra empresa, a Alebra Construção e Incorporação Ltda, esta com sede na cidade de São Paulo e cujo CNPJ é 44.360.140/0001-46.
O quadro societário da empresa é formado pelo prestador de serviço, funcionário e membro da Comissão Executiva do PCO e mais uma pessoa: Natália Braga Costa Pimenta, filha de Rui Costa Pimenta e candidata derrotada do partido a vereadora de São Paulo nas eleições de 2008.
Ainda, em uma terceira empresa, de propriedade de João Caproni Costa Pimenta, filho de Rui e irmão de Natália, é o email de Alessander que figura como endereço eletrônico para contato no cadastro formalizado junto à Receita Federal, como se vê abaixo.
Além de tudo isso, o advogado encontra tempo hábil para litigar em defesa da pessoa física de Rui Costa em uma série de processos judiciais, como se pode ver na lista abaixo.
Finalmente, Alessander já tentou ser duas vezes candidato a deputado pelo PCO. Em 2010, a deputado distrital, mas teve sua candidatura indeferida. Em 2014, foi candidato a deputado federal pelo DF, mas não foi eleito. É filiado ao partido desde 15 de maio de 2005.
A Gráfica que não funciona e que canaliza recursos
Ainda de acordo com as prestações de contas do PCO de 2018 e 2020, além dos R$ 789 mil gastos com advogado, o partido direcionou mais R$ 886 mil a uma só empresa: a Digiartesgraphics Gráfica Ltda, que foi declarada inapta pela receita federal em março do ano passado.
A empresa, com sede em São Paulo, tem duas sócias: Aline Toledo e Laura Valle Gontijo. A primeira foi filiada ao PCO e foi candidata a deputada federal em 2006 por São Paulo. Ela obteve 795 votos e não foi eleita.
As duas estão fora do partido atualmente.
Em que pese tenha sido receptora de quase R$ 900 mil de dinheiro público por meio do PCO, a Digiartesgraphics não está em funcionamento atualmente. O motivo: a empresa foi considerada inapta pela Receita Federal no ano passado, por deixar de pagar impostos e acumular uma dívida tributária de mais de R$ 20 mil com a prefeitura de São Paulo, que efetivamente executou o valor na Justiça (processo número 1594261-11.2017.8.26.0090).
Com isso, não pode mais estabelecer negócios e contratos com qualquer entidade pública ou que envolva recursos de origem pública, como os advindos do Fundo Eleitoral.
Além disso, a empresa sofreu ação de despejo do imóvel que tinha como sede por não pagar aluguel, acumulando uma dívida de mais de R$ 40 mil com o proprietário, como se vê em trecho do processo, abaixo.
A aumentar o passivo da empresa, um outro processo foi aberto por Ezio Medeiros, em 12 de dezembro de 2019. Na ação, ele pede R$ 108 mil de indenização do Partido da Causa Operária e da Digiartesgraphics.
A juíza Leticia Amaral aplicou uma sentença (primeira instância) de R$ 100 mil, mais custas de R$ 2 mil. A Digiartesgraphics perdeu a ação junto com o PCO após o despejo que a empresa sofreu.
A grande maioria do montante que a Digiartegraphics faturou de 2012 a 2019 segundo notas apresentadas às autoridades fiscais advém do PCO e da sua fundação, como se vê abaixo.
A editora do jornal cujo dono recebe pagamentos dos militantes
A Dauzaker Dantas Edições e Impressões faz edição de revistas e de jornais voltada para o PCO. Seu único sócio é João Vitor Dauzaker de Souza, que é militante do partido. Mas há outro integrante na empresa que se conecta com a família Pimenta.
O email de contato da empresa é de Rafael Dantas. Ele é marido de Natália Braga Costa Pimenta, filha do fundador do PCO. Essa empresa está ativa.
A Dauzaker recebeu R$ 365.954,00, segundo a prestação de contas da legenda entre 2017 e 2020. Desse montante, R$ 236.000,00 chegaram só em 2020, conforme contrato entre as partes apresentado à Justiça Eleitoral, que pode ser visto clicando aqui.
A relação entre a editora e o PCO não se encerra nos serviços prestados.
Ex-integrantes da legenda mandaram extratos bancários de pagamentos de contribuições ao partido e cobranças de dívidas. Os débitos eram direcionados para as contas bancárias de João Vitor Dauzaker de Souza e Natália Pimenta.
O músico Kevin Drummond se desligou do partido no final de 2019. Naquele ano e no seguinte, militantes do partido cobraram dívidas que ele supostamente não pagou para a legenda. Ele enviou ao DCM extratos de contas pagas dos meses de outubro e dezembro de 2019, além de janeiro de 2020.
Todos os valores foram depositados na conta de Dauzaker sem nenhuma explicação sobre ele ser o intermediário.
Em 30 de janeiro daquele ano, Drummond recebeu uma mensagem de Francisco Weiss do PCO. “Kevin, me liga quando puder. Por favor”. Em 5 de fevereiro, Drummond respondeu: “Oi, Chico. Eu estou fora do PCO”.
Weiss pede então para se encontrar pessoalmente com o ex-PCO. Sugere um encontro na casa dele. “Com qual intenção?”, perguntou Kevin Drummond. “Você entrou no partido através de uma reunião, agora a gente faz uma reunião para discutir sua saída. A gente precisa ouvir o que você tem a dizer e precisamos conversar com você também”, afirma Weiss.
Drummond protesta e diz que é coisa de João Jorge Pimenta, filho de Rui Costa, e de outros integrantes do PCO. Em seguida, Francisco Weiss cobra uma dívida de R$ 120.
O DCM perguntou a Kevin Drummond se ele conhecia a empresa Dauzaker Dantas Edições e Impressões, de João Vitor Dauzaker, o homem a quem ele pagava contas dentro do PCO.
“Não sei nada sobre essa empresa não. Acho que é coisa secreta deles”, disse Drummond.
Mikke [Michel] Nienow de Barros, outro ex-PCO e auxiliar de escritório, confirma a existência de intermediários para pagamentos dentro do partido e diz que foi candidato pela legenda a deputado estadual de Santa Catarina em 2018. Ele não foi eleito.
“O partido não deu verba nenhuma. A campanha ficou por minha conta”, conta ele.
As empresas e o escritório de advocacia mostram uma trilha de recursos públicos que são destinados para muitos objetivos, menos os de um Fundo Eleitoral. E os envolvidos têm conexões diretas com a família de Rui Costa Pimenta, especialmente Natália Pimenta e João Jorge Pimenta.
Outro lado
O Diário do Centro do Mundo entrou em contato com João Vitor Dauzaker de Souza, Juliano Alessander e Aline Toledo.
Os três foram questionados sobre os valores que receberam do PCO, oriundos do Fundo Eleitoral, e suas conexões com integrantes da família Pimenta.
Até o momento da publicação, o DCM não havia recebido qualquer resposta. Caso venham a se manifestar, suas declarações serão incluídas nesta reportagem.