Por devana babu, de Brasília
A comunidade de São Sebastião, no DF, abrigou neste sábado (22/10) um ato em repúdio às falas do presidente Jair Bolsonaro (PL) sobre meninas venezuelanas residentes na cidade.
Com o mote “Pintou um clima? Pintou um crime”, o protesto chama atenção para o caráter da declaração do ex-capitão dirigida a garotas de 14, 15 anos que ele encontrou no bairro Morro da Cruz. Nos bastidores, comenta-se que a organização sofreu algumas ameaças e intimidações de pessoas ligadas ao governo para impedir a realização do protesto.
Tais insinuações já foram amplamente desmentidas, mas seus ecos ainda atingem a vida da comunidade de refugiados venezuelanos.
Cerca de cem pessoas, vestidas de branco, com faixas, cartazes e plaquinhas representando flores amarelas nas mãos, se concentraram em frente ao Centro de Ensino Médio 01 de São Sebastião (Centrão), a partir das 16h, e saíram em uma caminhada até o Skate Park, no barro contíguo.
Uma pequena carreata também acompanhou o cortejo. A passeata, embora convocada com caráter apartidário, contou majoritariamente com um público lulista e petista, grande parte com bandeiras e adesivos de apoio ao candidato à presidência.
No meio do caminho, os manifestantes, que estavam na calçada nesse momento, se encontraram com uma motociata de bolsonaristas na avenida.
O “embate” não passou disso: pessoas fazendo “L” de um lado e gritando “Lula”, outros de verde a amarelo agitando bandeiras do Brasil e gritando “Bolsonaro”. Não houve qualquer incidente e os atos seguiram adiante.
Para o deputado Gabriel Magno, do PT, eleito para o próximo mandato, e que esteve presente no ato, o encontro não foi mera coincidência. “Esse ato foi importante, primeiro, porque precisou muita coragem para fazer. A gente viu que, durante essa semana, o governo Bolsonaro operou e usou instrumentos do próprio estado para tentar impedir a realização do ato, com ameaça, coação às mulheres e aos movimentos sociais. Hoje mesmo a gente viu uma tentativa de intimidação do ato, com a motociata [dos bolsonaristas] tentando calar a voz de quem tá na rua, e tá muito indignado, porque o que o bolsonaro fez foi um crime”, declara Magno.
“O ato mostra que tem resistência na cidade, que tem organização social, e que a rede intersetorial (que reúne instituições da cidade) é fundamental nesse processo. Acho que o recado foi dado: Não toleramos mais um governo que desrespeita tanto a população, o povo, as crianças, as mulheres e o direito de todo mundo”, afirma.
“Nós vimos, no Congresso Nacional, um movimento da base bolsonarista que é um ataque ao povo brasileiro, que é a tentativa de não deixar votar o projeto que torna a pedofilia crime hediondo [PL 1776/15]. Eles, que se dizem tanto defensores da família e das crianças, são quem opera para atacar os direitos das crianças.”
Articulação dos movimentos sociais em São Sebastião
O ato foi puxado pelas organizações sociais Nação Zumbi, Casa de Paulo Freire e Supernova, e contou com diversas lideranças locais de diferentes áreas e instituições, além de representatividades políticas do PT, como a ex-candidata ao senado Rosilene Corrêa.
O tom geral das falas foi de combate à fragilização dos direitos das crianças, dos adolescentes e das mulheres; o estigma gerado na comunidade por essas falas; e o fortalecimento da rede de apoio e enaltecimento da organização da própria cidade e atuação dela neste e em outros casos.
A fotógrafa e produtura cultural Nanah Farias leu, ainda, uma carta de repúdio assinada pelo movimento. Vale ressaltar que o corpo da manifestação era formado, majoritariamente, por mulheres, entre apoiadores e lideranças, que dominaram também a palavra ao microfone. Por outro lado, o ato não contou com a presença de membros da comunidade venezuelana da cidade.
“Chegamos a esboçar um convite, mas ficamos preocupados pelo fato de eles já estarem sendo muito perseguidos”, afirmou a educadora popular Silvania Gomes, coordenadora do Centro de Formação e Cultura Nação Zumbi e uma das principais organizadoras do ato.
“Pra gente, essa situação é muito grave. Mesmo estando em período eleitoral, e as pessoas podendo dizer que esse ato é por conta do lado A ou B, a gente não podia ficar calado. Queríamos mostrar que existem pessoas e organizações que estão de olho no que acontece em relação a nossas crianças, aos jovens negros da comunidade. Então a gente não poderia deixar, mesmo com todas as dificuldades e pressão que a gente sofreu. Teve momentos em que a gente pensou em desistir, por preocupação em relação à população à qual estamos fazendo referência, mas a gente disse: “Não, nós somos fortes, temos que gritar e dizer que não aceitamos esse crime na nossa comunidade”.
“Porque dizer ‘pintou um clima’ com uma criança de 14, 15 anos, isso é pedofilia. Infelizmente, estamos em um pais que tem um presidente que, tudo que ele fala, ele leva para o lado da ‘brincadeira’, como se tudo fosse normal”, critica.
O professor Matheus Costa, diretor do Centro de Ensino Médio São Francisco (Chicão), também presente no ato, ressaltou o impacto das falas de Bolsonaro para a formação das crianças e adolescentes da cidade. “Primeiro, isso gera uma baixa autoestima e fortalece esses estereótipos. A gente luta muito para empoderar, cada vez mais, nossos jovens, para o jovem poder sonhar, e, principalmente, as mulheres se posicionarem no mundo diante de situações em que se sintam oprimidas. A gente fica decepcionado e impactado que uma frase dessas venha de uma autoridade, e a autoridade máxima do nosso País. Temos de lutar, reagir e não se calar diante de uma situação como essa. Não tem essa de pintar clima com uma adolescente de 14 anos”, afirma Matheus.
“Isso é um absurdo, e mostra a visão de mundo dele. Se ele demonstra isso em uma situação corriqueira, e reage dessa forma, imagine diante de uma política pública que ele, sendo presidente do nosso país, tem que levar adiante? Como ele vai reagir pra gente combater a explicação sexual infantil? Então isso mostra muito como ele olha para a infância e juventude, e o que ele espera de uma adolescente, principalmente uma mulher de periferia”.