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PMs investigados por ‘mensalão do tráfico’ em São Paulo forjaram flagrante

Viaturas da Força Tática no estacionamento do 5º Batalhão na zona norte de SP | Foto: Reprodução

Publicado originalmente no site Ponte Jornalismo

POR MARIA TERESA CRUZ

O tenente Diego Reginaldo Pereira e o cabo Douglas de Oliveira Santos, ambos da Força Tática do 5º Batalhão da PM (Vila Gustavo), na zona norte da capital paulista, mentiram em uma acusação de tráfico de drogas em março deste ano, decidiu a juíza Renata Carolina Casimiro Braga Velloso Roos em sentença que absolveu dois jovens presos na Vila Maria na tarde de 4 de dezembro de 2019.

A magistrada sustentou “total improcedência” da denúncia que sustentaria a acusação e condenação dos jovens. A magistrada destaca que um dos suspeitos contou que os policiais separaram “quem tinham passagem de quem não tinha, que foram levados para averiguação e que a droga apareceu apenas na delegacia”. No 19º DP (Vila Maria), foram apresentados 3 quilos de drogas.

“Os policiais prestaram depoimentos contraditórios entre si e em relação àqueles que prestaram em solo policial, o que fragiliza sobremaneira a acusação que pesa sobre os réus”, destaca a sentença. Mesmo inocentes, os dois suspeitos ficaram presos por mais de 4 meses.

O endereço do flagrante que a Justiça considerou ser forjado era rua Kaneda, Jardim Japão, zona norte de São Paulo. O local fica a 3,9 km da rua Tenente Sotomano, onde fica a biqueira (ponto de venda de drogas) que aparece na denúncia anônima apurada pela Corregedoria da PM e informada com exclusividade pela Ponte em janeiro deste ano.

Segundo a denúncia, esse é o local onde alguns PMs do 5º Batalhão cobrariam propina para aliviar o lado de traficantes. Entre os suspeitos delatados à Corregedoria, em dezembro do ano passado, estão Pereira e Oliveira. Quatro veículos comuns no nome do tenente foram vistos nas imediações da “biqueira” em dias onde supostamente acontecia o recolhimento da propina.

De acordo com a apuração da reportagem, Pereira seria um dos principais articuladores do esquema investigado pelo órgão corregedor. Em conversas de Whatsapp divulgadas pela nossa reportagem ainda em janeiro, os policiais combinavam valores e até discutiam aumento. “Atenção, atenção. O sargento acertou um aumento com a biqueira da Tenente Sotomano esse mês. Vai pra 7.500 o carnê. Mês que vem vamos tentar chegar a 10 mil”, escreveu em uma das mensagens para um grupo uma pessoa que, segundo a denúncia, seria o Cabo Oliveira.

As investigações da Corregedoria da PM apontaram também que, além de uma “caixinha” feita com o “mensalão” do tráfico, o dinheiro das extorsões era usado para fazer festas, muitas delas com bebida e drogas, mesmo em horário de trabalho.

A conduta de Oliveira, Pereira e outros policiais da Força Tática do 5º BPM, suspeitos de participarem do “mensalão do tráfico”, está sendo julgada pela Justiça Militar e, de acordo com o órgão, a promotoria está com o caso desde 29 de outubro. A Justiça, portanto, aguarda a manifestação do MP.

Um caso antigo de assassinato

O caso denunciado à Corregedoria em dezembro do ano passado também trata de uma outra situação envolvendo crime: a execução de uma pessoa em situação de rua, em 24 de dezembro do ano passado, que teria sido registrada como “morte decorrente de intervenção policial”. Os PMs que participaram da ação também teriam colocado uma arma fria no local.

O fuzil, também citado no e-mail de denúncia à Corregedoria, seria objeto de roubo, pertenceria a um criminoso ligado ao PCC e teria sido usado para “arredondar” a ocorrência. No comunicado, também havia o relato de que os policiais estavam fazendo um churrasco “com bebidas e drogas”, segundo denúncia, com parte do dinheiro conseguido na propina.

Na ocasião, a Tenente Luciane foi averiguar os fatos, mas quando chegou ao batalhão foi impedida de fazer a revista e acabou indo embora. Conversas em um grupo de Whatsapp a que a Ponte teve acesso comprovam a informação.

Cabo Oliveira escreve: “Me preocupar com Corregedoria? Com quem? Com aquela tenente puta que veio aqui?”. Os policiais do 5º BPM passam a discutir o caso e cabo Oliveira novamente se manifesta: “Ninguém foi preso nada. Só porque você ficou umas horas na Correg já tá aí se cagando. Tático é isso mano”. E na sequência continua: “A gente matou duas vezes em menos de seis meses estive, cadê você na resenha?”. Ele se refere a um outro caso ocorrido em setembro do ano passado.

Em novo e-mail, enviado à Corregedoria em 27 de dezembro, o denunciante afirma ter avisado o órgão sobre os cometimentos de crimes do batalhão e dá a entender que havia informado a forma que os três policiais matariam uma pessoa e fingiriam ser uma “morte decorrente de intervenção policial”. O caso está em julgamento e não há informações sobre as últimas movimentações por causa do segredo de justiça.

Situações como essa, no entanto, não seriam novidade para o Tenente Diego Reginaldo Pereira. Em 2014, ele e outros dois PMs participaram de uma morte que, inicialmente, seguia o script bastante conhecido de suspeito armado que atirou e a polícia reagiu à injusta agressão.

O caso foi julgado pela Justiça Militar, que, em um primeiro momento, considerou a legítima defesa uma tese plausível. A vítima não foi identificada na sentença. Contudo, o Ministério Público discordou da decisão e entrou com recurso pedindo transferência de competência por acreditar que o que ocorreu foi uma execução. Em 2018, o caso foi para a Justiça comum. No entanto, o segredo de justiça imposto impediu que a reportagem tivesse acesso aos autos.

A Ponte tentou diversas formas de obter informações. Oficialmente, procuramos o Tribunal de Justiça confirmou a existência da ação no Tribunal do Júri, mas destacou que apenas o advogado das partes poderia dar a informação sobre a tramitação do processo. O defensor Eduardo Martinelli informou que o cliente não iria comentar sobre o caso. Nem mesmo nas pesquisas pelo sistema digital do Tribunal de Justiça de São Paulo é possível encontrar evidência de que o Tenente Diego responde por esse crime.

A Operação no 5º BPM

No dia 25 de junho a Corregedoria da PM fechou a sede do batalhão, na zona norte de São Paulo, para uma operação até hoje publicamente não esclarecida. Na ocasião, oficialmente, todos os órgãos envolvidos (PM, SSP e a própria Corregedoria) negaram que a ação tivesse relação com o que a Ponte havia denunciado seis meses antes.

Na operação teriam sido encontrados celulares de civis em armários de alguns dos PMs citados na investigação do início do ano, além de uma quantidade não informada de droga no interior do batalhão. A Ponte, então, tentou por telefone e também por e-mail, confirmar a informação apurada e solicitar os detalhes da investigação gerada a partir dessa operação de junho, mas não foi atendida. Por e-mail, a Polícia Militar informou que “os casos apurados pela Corregedoria, por meio de IPMs, são sigilosos, conforme o Código de Processo Penal Militar”.

Ouvidoria havia pedido afastamento dos PMs

Logo após a divulgação da investigação envolvendo os policiais do 5º BPM, a Ouvidoria da Polícia de SP, comandada à época por Benedito Mariano, havia considerado o caso muito grave e entendido que o ideal era o afastamento dos policiais envolvidos até a conclusão da apuração dos fatos. Até hoje, todos seguem trabalhando normalmente.

Agora, o ouvidor Elizeu Soares Lopes cobrou em ofício o resultado dessas investigações. Em e-mail enviado à repórter da Ponte, o órgão informa que “estão em apuração no TJ (1º grau) nº 1500230-11.2020.8.26.0052 (homicídio) e TJM (1º grau) 0002040-43.2020.9.26.0010 (tráfico). Em relação ao afastamento dos policiais militares, a informação solicitada será requerida, em ofício, à Corregedoria da Polícia Militar. Honrando nosso compromisso com a sociedade informamos que as providências adotadas serão comunicadas assim que recebermos a resposta do órgão competente”.

Outro lado

A reportagem entrou em contato com o advogado do Tenente Diego Reginaldo Pereira e do Cabo Douglas de Oliveira Santos por e-mail e telefone. Eduardo Martinelli informou que os clientes não desejam se pronunciar.

A Ponte ainda questionou sobre o resultado da ação que tramita no Tribunal do Júri referente a um homicídio do qual Pereira é réu. Pelo mesmo motivo citado anteriormente, o defensor informou que não tinha autorização para falar sobre isso.

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