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O que o Datafolha conta sobre a voz rouca das ruas

Os brasileiros parecem ter chegado à conclusão de que o moralismo da mídia é cínico

Gurgel

 

Algumas coisas pegam, outras não. Algumas coisas mobilizam a opinião pública, e outras provocam essencialmente indiferença.

Aqui, na Inglaterra. A revelação de que o celular de uma garota sequestrada fora invadido por repórteres do tablóide News of the World, de Rupert Murdoch, gerou entre os ingleses uma raiva tão forte e tão espalhada que em menos de uma semana o jornal, de 168 anos, estava simplesmente fechado.

Na Tunísia, a autoimolação de um vendedor maltratado derrubou, em menos de um mês, uma ditadura de 23 anos.

O caso inverso é o Mensalão, no Brasil. Não vou entrar sequer no mérito da discussão sobre se o Mensalão deveria ter inflamado os brasileiros ou não. Mas o fato indiscutível é que, gostemos ou não, o caso jamais foi relevante para a opinião pública brasileira – a despeito da cobertura enorme e estrepitosa de jornais, revistas e telejornais.

Se a medição do poder de influência da grande mídia se der em torno do que o Mensalão significa para os brasileiros, a conclusão a que se chega é que a sociedade não está ouvindo tanto assim o chamado Quarto Poder. Se estivesse, a voz rouca das ruas estaria gritando palavras de ordem contra Lula, Dirceu etc. O Brasil se transformaria numa Praça Tahrir, o célebre centro de protestos do Egito.

Deu ontem na Folha que Lula e Dilma se elegeriam no primeiro turno em 2014, conforme pesquisa do Datafolha. Deu também que que a confiança da sociedade brasileira na imprensa diminuiu consideravelmente durante a cobertura do Mensalão.

Não me surpreendi. Numa enquete do Diário sobre a Personalidade do Ano, os leitores optaram por Lula e Dilma. Tive o cuidado de colocar Joaquim Barbosa como opção A, pelo seu desempenho no Mensalão. Ele ficou à frente apenas de Tite e do coletivo do STF.

Os brasileiros — gostemos ou não — estão profundamente insatisfeitos com sua mídia. Este sentimento se manifesta com estrépito na internet. Qualquer editor sério estudaria com urgência os resultados do Datafolha, em nome da sobrevivência de sua credibilidade e, consequentemente, de seu negócio.

É aquela história: ou os brasileiros estão errados ou a mídia. Faça sua escolha.

Os ingleses ficaram furiosos ao saber que jornalistas entraram nas mensagens do celular dessa garota sequestrada e morta

A revolta que a mídia gostaria de ver espalhada se manifesta num grupo localizado. Por exemplo, Roberto Gurgel, o procurador-geral da República. Gurgel, ao estilo superlativo do agregado José Dias de Machado de Assis, classificou o Mensalão como a “maior agressão” que a democracia poderia sofrer.

O quê? Como classificar, então, o golpe militar que derrubou em 1964 um governo eleito pelas urnas? Sabemos todos que muitas bobagens antidemocráticas são ditas em nome da democracia, mas Gurgel extrapolou.

Mas ainda uma vez. A opinião pública brasileira parece surda a toda a exaltação retórica de Gurgel, tão repercutida pela grande mídia.

De novo: algumas coisas pegam, outras não.

O Mensalão não pegou.

Certa ou errada, a voz rouca parece ter chegado à conclusão de que é a versão 2012 do ‘Mar de Lama’ dos anos 1950 — uma cruzada pseudomoralista cujo real objetivo era, ele próprio, um mar de lama.

Paulo Nogueira

O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

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